quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Responsabilidade civil. Ofensa à imagem. Jogador de futebol. Álbum de figurinhas

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. OFENSA À IMAGEM. COMERCIALIZAÇÃO DA IMAGEM DO AUTOR, JOGADORES DE FUTEBOL, SEM SUA AUTORIZAÇÃO. ÁLBUM DE FIGURINHAS DE CAMPEONATO BRASILEIRO. DANO MORAL OCORRENTE.
1. RESPONSABILIDADE CIVIL. A divulgação da imagem do autor em álbum de figurinhas sem sua autorização é apta a gerar dano moral in re ipsa, o qual independe de prova, decorrendo diretamente da violação ao atributo da personalidade.
2. DENUNCIAÇÃO À LIDE. Havendo contrato escrito entre a denunciante e a denunciada, por meio do qual esta transfere os direitos inerentes à divulgação da imagem do autor para a denunciante e assume a responsabilidade por eventuais reclamações posteriores, há de se dar procedência à demanda regressiva.
3. QUANTUM INDENIZATÓRIO. O quantum indenizatório deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto bastante no causador do mal a fim de dissuadi-lo de novo atentado. Ponderação que orienta a manutenção do valor nominalmente arbitrado em sentença, todavia, com alteração do data inicial de incidência dos juros de mora.
4. JUROS DE MORA. Na hipótese de reparação por dano moral, cabível o início da contagem a partir da fixação do quantum indenizatório, é dizer, a contar do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação.
5. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. O contrato de licença entabulado entre ré e litisdenunciado prevê de maneira expressa que caberia à associação desportiva ressarcir todos os prejuízos que porventura viesse a embargante a ter em razão da referida avença, devendo aí ser compreendidas inclusive as custas e honorários relativos à ação principal.
NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AOS APELOS DA RÉ E DA LITISDENUNCIADA. UNÂNIME.


APELAÇÃO CÍVELNONA CÂMARA CÍVEL
Nº 70030285670 COMARCA DE PORTO ALEGRE
JOAO MANUEL ROCHA MONTEIRO CORREA APELANTE/APELADO
EDITORA ABRIL S.A. APELANTE/APELADO
SPORT CLUB INTERNACIONAL APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em: (a) negar provimento ao apelo do autor; (b) dar parcial provimento aos apelos das rés.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE E REVISORA) E DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI.

Porto Alegre, 02 de setembro de 2009.

DES. ODONE SANGUINÉ,
Relator.


RELATÓRIO


DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)
1. Cuida-se de apelações cíveis interpostas por JOÃO MANUEL ROCHA MONTEIRO CORRÊA (autor), EDITORA ABRIL S/A (ré) e SPORT CLUB INTERNACIONAL (litisdenunciado) contra sentença das fls. 265/272, que: (a) julgou procedente a ação principal, condenando a EDITORA ABRIL S/A a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, quantia essa a ser corrigida monetariamente pelo IGP-M desde a sentença, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação; (b) julgou procedente a denunciação à lide, para condenar o SPORT CLUB INTERNACIONAL a reembolsar ao litisdenunciante os valores por este pagos; (c) condenou o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono do autor, fixados em 15% sobre o valor da condenação, ao passo que ao litisdenunciado coube o pagamento das custas processuais relativas à lide regressiva, e verba honorária devida ao patrono da litisdenunciante, também arbitrada em 15% sobre o valor da condenação.
2. Em razões de apelo (fls. 274/278), sustenta que tanto os juros moratórios quanto a correção monetária devem incidir desde o ato ilícito praticado, nos termos das Súmulas 43 e 54 do STJ, retroagindo, assim à data de publicação do álbum de figurinhas em que figurara o demandante. Assim, pede seja dado provimento ao apelo, para determinar a retroação da correção e dos juros à data do ilícito, observando-se os limites legais.
3. Em razões recursais (fls. 285/308), assevera serem inaplicáveis as disposições da CF/88, visto que o suposto ato ilícito teria sido praticado ainda sob a égide da CF/69. Assevera que houvera consentimento tácito por parte do autor, conforme costumes da época, para que sua imagem fosse veiculada em álbum de figurinhas de 1987. Destaca, nesse sentido, que o requerente fora fotografado trajando o uniforme do clube que defendia à época, sendo essa circunstância prova cabal de sua aquiescência, tanto o sendo que sequer qualquer reclamação fora formulada. Salienta que a avença se dera de boa-fé, seguindo os usos e costumes da época e que o Contrato de Licença de Uso de Imagem firmado com o clube do demandado previa que caberia a este repassar 20% do valor recebido da editora para seus atletas. Alega ser desnecessária autorização escrita. Sustenta que, de qualquer forma, agira respaldada por contrato escrito, assinado com o Sport Club Internacional, que, apresentando-se como titular do direito de uso e exploração da imagem de seus jogadores, autorizara a utilização da fotografia do demandante. Repisa que o caso concreto deve ser apreciado à luz das práticas dos anos 80, quando a imagem dos jogadores não era negociada individualmente, estando essa em realidade ínsita ao próprio contrato de trabalho firmado. Pondera que era de próprio interesse dos atletas terem sua imagem veiculada em álbuns da espécie, dada a carência de veículos de comunicação adequados, fato esse inclusive observado pelo fotógrafo Gladstone Mendes Campos, ouvido em processo símile. Aduz ainda que o álbum possuía caráter informativo, e não comercial, pois visava tão somente inserir o autor em painel de jogadores do Sport Club Internacional, apresentando ao público em geral o jogador e o clube em que atuava. Ressalta não ter havido dano moral, em razão da inocorrência de efetivo abalo à imagem do demandante. Sustenta, também, que, em sendo mantida a sentença, deverá a agremiação esportiva litisdenunciada ser condenada ao pagamento também das custas e honorários devidos em razão da ação principal, por força do disposto na cláusula oitava da avença entabulada entre as partes. Assim, pede seja dado provimento ao apelo, para julgar improcedente a demanda ou pelo menos determinar que os ônus sucumbenciais devidos em razão da ação principal também sejam arcados pelo litisdenunciado.
4. Em razões de apelo (fls. 314/318), cita precedentes em que feitos análogos foram julgados de forma dissimilada à decisão proferida nestes autos. Ressalta que o contrato de trabalho registrado junto à CBF concedia ao clube o direito de uso de imagem do atleta. Refere que somente com a edição da Lei Pelé, em 1998, é que passou a ser regulamentada, de forma específica, a utilização da imagem dos jogadores. Repisa que a imagem dos atletas, em condições de jogo, com o fardamento oficial da entidade desportiva, é da titularidade dessa, o que não geraria qualquer direito de indenização pela publicação do álbum. Ressalva que, acaso mantida a sentença, deverá pelo menos ser reduzido o valor fixado a título de indenização. Assim, pede sejam desprovidas a ação principal e a litisdenunciação, ou pelo menos reduzida a verba indenizatória, originariamente arbitrada.
5. Em contrarrazões aos apelos do litisdenunciado e da ré (fls. 322/328 e 329/339, respectivamente), pede o autor sejam esses desprovidos.
6. Em contrarrazões aos apelos interpostos pelo autor e pela litisdenunciada (fls. 364/372 e 373/380, respectivamente), a EDITORA ABRIL pede sejam esses desprovidos, com o julgamento de improcedência da demanda ou pelo menos a redução da verba indenizatória arbitrada em primeiro grau.
7. Em contrarrazões (fls. 381/383), o SPORT CLUB INTERNACIONAL pede seja desprovido o recurso interposto pelo autor.
8. Após certificada a ausência de contrarrazões por parte do litisdenunciado ao apelo interposto pela ré (fls. 385/386), retornaram os autos, prontos para julgamento.
É o relatório.


VOTOS

DES. ODONE SANGUINÉ (RELATOR)
Eminentes colegas:
9. Cuida-se de ação de indenização por meio da qual postula o autor a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes de divulgação de imagem sem a respectiva autorização.
10. Narra o autor em sua inicial que a EDITORA ABRIL lançara em 1987 o “álbum de figurinhas” da Copa União, a qual possuía, além de informações dos clubes de futebol, fotografias dos jogadores (fls. 12/15). Alega nunca ter autorizado a ré a comercializar sua imagem e que o ato ilícito praticado ensejaria a reparação a título de danos morais.
11. Em contestação (fls. 35/50), a ré, além de impugnar os termos da peça exordial, denunciou à lide o SPORT CLUB INTERNACIONAL, qual teria licenciado o uso da imagem à editora ora demandada, sendo este o responsável, de acordo com o referido contrato de licenciamento, por eventuais prejuízos advindos da utilização da imagem do jogador.
12. Deferida a litisdenunciação (fls. 138/140), o SPORT CLUB INTERNACIONAL então ofereceu contestação (fls. 145/153).
13. Processada a demanda, adveio assim a sentença das fls. 265/272, que: (a) julgou procedente a ação principal, condenando a EDITORA ABRIL S/A a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 5.000,00, quantia essa a ser corrigida monetariamente pelo IGP-M desde a sentença, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a contar da citação; (b) julgou procedente a denunciação à lide, para condenar o SPORT CLUB INTERNACIONAL a reembolsar ao litisdenunciante os valores por este pagos; (c) condenou o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono do autor, fixados em 15% sobre o valor da condenação, ao passo que ao litisdenunciado coube o pagamento das custas processuais relativas à lide regressiva, e verba honorária devida ao patrono da litisdenunciante, também arbitrada em 15% sobre o valor da condenação.
14. Inconformadas, todos os litigantes recorreram: (a) o demandante, postulando a readequação do marco inicial de incidência dos juros e correção monetária para 1987 (fls. 274/278); (b) a ré, a improcedência da demanda, em razão da inexistência da prática de ato ilícito de sua parte, dado a existência de contrato a resguardar sua conduta, ou mesmo de dano moral indenizável, pois inocorrente abalo à imagem do requerente (fls. 285/308); (c) o litisdenunciado, a improcedência tanto do feito principal quanto do secundário, porque inexistente, à época da contratação, a prática de cobrança de direito de imagem de forma desvinculada ao contrato de trabalho, ou pelo menos a redução da verba reparatória (fls. 314/318).
Examine-se.

I. Mérito

a) Responsabilidade Civil
15. De início cumpre referir que incontroverso o fato da ré ter lançado no mercado, no ano de 1987, o álbum de figurinhas da Copa União (fls.12/15), no qual figurava o autor como integrante do SPORT CLUB INTERNACIONAL.
16. A questão dos autos está em definir, portanto, se a conduta praticada pela ré ocorreu de maneira ilícita, bem como se de tal conduta decorreram danos morais ao autor.
No caso, pretende a ré seja reconhecida a existência da autorização tácita do jogador, em razão do fato do requerente ter posado de livre e espontânea vontade para o álbum de figurinhas em questão, inclusive com o fardamento do clube. Alega, ainda, que o feito deve ser analisado sob a ótica da CF/69, bem como que sua conduta estaria respaldada pelas práticas da época e pelo documento das fls. 75/81, consistente em contrato de licença para uso de imagem firmado entre ela e o SPORT CLUBE INTERNACIONAL, através do qual a agremiação esportiva a autorizava a comercializar a imagem de seus jogadores no referido “álbum de figurinhas”.
A litisdenunciada, por sua vez, ressalta que o contrato de trabalho registrado junto à CBF concedia ao clube o direito de uso de imagem do atleta. Refere, nesse sentido, que somente com a edição da Lei Pelé, em 1998, é que passou a ser regulamentada, de forma específica, a utilização da imagem dos jogadores.
O autor, contudo, nega em sua inicial que tenha conferido autorização ao clube de futebol, para o qual competia, para que este divulgasse sua imagem na revista comercializada pela ré. De outro lado, a ré não traz aos autos qualquer autorização nesse sentido por parte do autor da ação.
17. Dito isso, convém de pronto destacar, em citação à AC nº 70028349793, da lavra do eminente Des. Tasso Caubi Soares Delabary, que na doutrina CARLOS ROBERTO GONÇALVES refere orientação do Supremo Tribunal Federal, anterior a constituição de 1988, quando já reconhecia a possibilidade de indenização por violação ao direito de imagem, através da interpretação das disposições que emanavam do art. 666, X, in fine, do Código Civil de 1916 e 49, I, f, e 82 da Lei n. 5.988/73, quando esta lei se referia às limitações ao direito do autor, ao fazer depender do titular da imagem o exercício do direito de reprodução ou divulgação pelo autor da obra, acabou por proclamar que, “embora parcos os dispositivos legais que se dediquem ao momentoso tema, a proteção à imagem, como direito decorrente ou integrante dos direitos essenciais da personalidade, está firmemente posta em nosso direito positivo, destacando que em julgamento por aquele Sodalício, confirmando decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ficou assentado de que a reprodução da imagem da embargada é emanação da própria pessoa e somente ela poderia autorizar sua reprodução, ainda que o fotógrafo seja o autor da obra protegida. E essa autorização não existiu. Na oportunidade o julgamento restou ementado da seguinte forma: “Direito à imagem. Fotografia. Publicidade comercial. Indenização. A divulgação da imagem da pessoa, sem o seu consentimento, para fins de publicidade comercial, implica locupletamento ilícito à custa de outrem, que impõe a reparação do dano. Recurso extraordinário não conhecido.”[1]
Ou seja, ainda que os fatos em questão tenham ocorrido antes da vigência da CF/88, seria possível se cogitar de dano moral, em razão da utilização indevida da imagem do autor, à luz do arcabouço legal previsto no CC/1916 e na Lei nº 5.988/73, então vigente à época dos fatos. Sobre o reconhecimento da existência de violação ao direito de imagem, sob a égide dos referidos diplomas legais, veja-se o seguinte aresto: CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. REPRODUÇÃO INDEVIDA. LEI N. 5.988/73 (ART. 49, I, "F"). DEVER DE INDENIZAR. CODIGO CIVIL (ART. 159). A IMAGEM E A PROJEÇÃO DOS ELEMENTOS VISIVEIS QUE INTEGRAM A PERSONALIDADE HUMANA, E A EMANAÇÃO DA PROPRIA PESSOA, E O EFLUVIO DOS CARACTERES FISICOS QUE A INDIVIDUALIZAM. A SUA REPRODUÇÃO, CONSEQUENTEMENTE, SOMENTE PODE SER AUTORIZADA PELA PESSOA A QUE PERTENCE, POR SE TRATAR DE DIREITO PERSONALISSIMO, SOB PENA DE ACARRETAR O DEVER DE INDENIZAR QUE, NO CASO, SURGE COM A SUA PROPRIA UTILIZAÇÃO INDEVIDA. E CERTO QUE NÃO SE PODE COMETER O DELIRIO DE, EM NOME DO DIREITO DE PRIVACIDADE, ESTABELECER-SE UMA REDOMA PROTETORA EM TORNO DE UMA PESSOA PARA TORNA-LA IMUNE DE QUALQUER VEICULAÇÃO ATINENTE A SUA IMAGEM; TODAVIA, NÃO SE DEVE EXALTAR A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO A PONTO DE SE CONSENTIR QUE O DIREITO A PROPRIA IMAGEM SEJA POSTERGADO, POIS A SUA EXPOSIÇÃO DEVE CONDICIONAR-SE A EXISTENCIA DE EVIDENTE INTERESSE JORNALISTICO QUE, POR SUA VEZ, TEM COMO REFERENCIAL O INTERESSE PUBLICO, A SER SATISFEITO, DE RECEBER INFORMAÇÕES, ISSO QUANDO A IMAGEM DIVULGADA NÃO TIVER SIDO CAPTADA EM CENARIO PUBLICO OU ESPONTANEAMENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (REsp 58.101/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 16/09/1997, DJ 09/03/1998 p. 114).
18. Ora, como visto do precedente acima, o direito à imagem, mesmo antes da CF/88, deve ser considerado como atributo de personalidade, de cunho personalíssimo, não se podendo presumir a concessão do direito de explorá-la comercialmente, muito menos de forma tácita ou base em eventuais costumes vigentes à época, cuja prática, aliás, não poderia ser invocada para permitir a prática de ilícitos, ainda que de ordem civil.
De outra banda, faz-se importante salientar que o álbum em questão possuía claro intuito comercial, pois a ré, ao divulgar os times participantes da Copa União, buscava, ao utilizar a imagem de atletas, lucrar através da venda de cromos colecionáveis. Em síntese, a publicação em questão não possuía conteúdo meramente informativo, como alegado.
Assim, em não vindo aos autos qualquer autorização expressa do autor nesse sentido, impende concluir não possuía o clube de futebol, SPORT CLUBE INTERNACIONAL, o direito de conceder a autorização aqui discutida.
Veja-se ainda, nesse sentido, que a cláusula décima sétima do “Contrato de Trabalho de Atleta Profissional de Futebol” das fls. 156/157v, registrada junto à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), tampouco faz presumir que o clube em questão deteria os direitos de imagem do atleta. Ora, com efeito, referida cláusula, em verdade, somente dispunha acerca da necessidade do atleta envergar exclusivamente o uniforme do clube, com todos os seus sinais distintivos, inclusive para fins publicitários, nada referindo acerca da autorização, pelo atleta, para que sua imagem fosse utilizada em álbuns de figurinhas.
Aliás, nem se é possível enquadrar o caso em tela nos lindes do direito de arena previsto no art. 100 da Lei nº 5.988/73, vigente à época da divulgação. Nesse sentido a jurisprudência do STJ: INDENIZAÇÃO. DIREITO À IMAGEM. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. ATO ILÍCITO. DIREITO DE ARENA. -É inadmissível o recurso especial quando não ventilada na decisão recorrida a questão federal suscitada (súmula nº 282-STF). - A exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem o consentimento dos atletas, constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano. - O direito de arena, que a lei atribui às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da imagem havido por meio da edição de "álbum de figurinhas". Precedentes da Quarta Turma. Recursos especiais não conhecidos. (REsp 67.292/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 03.12.1998, DJ 12.04.1999 p. 153).
19. Assim, tem-se que a divulgação da imagem do autor por parte da ré se deu de maneira ilícita, cabendo a esta indenizar os eventuais danos daí decorrentes.
Reconhecida assim a responsabilidade da ré no feito principal, passo, pois, à análise da litisdenunciada no feito secundário.
20. Pois bem, o “Instrumento Particular de Contrato de Licença para Uso de Imagem, Cessão de Direitos Autorias” (fls. 75/81) revela que a ré, na condição de cessionária do direito de imagem dos jogadores, pagou à entidade desportiva ora denunciada – cedente do direito de imagem – pelo uso da imagem (cláusula 10ª, item “c”, fl. 79), cabendo a esta o repasse de 20% de tal quantum aos jogadores. Não restou demonstrado, no entanto, tal repasse.
Além disso, consta do contrato firmado entre o denunciante e a denunciada que esta arcaria com eventuais prejuízos sofridos pela cessionária oriundos de eventuais reclamações futuras (cláusula 8ª, fl. 77).
Tem-se, nesse diapasão, fundamentado em obrigação contratual, o direito regressivo da ré sobre a denunciada, o que autoriza a denunciação da lide, a teor do que disposto no artigo 70, III, do Código de Processo Civil. Nesse norte, aliás, assim já decidi: (...) 5. DENUNCIAÇÃO À LIDE. Havendo contrato escrito entre a denunciante e a denunciada, por meio do qual esta transfere os direitos inerentes à divulgação da imagem do autor para a denunciante e assume a responsabilidade por eventuais reclamações posteriores, há de se dar procedência à demanda regressiva. DERAM PROVIMENTO AO RECURSO E JULGARAM PROCEDENTE A DENUNCIAÇÃO À LIDE. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70023429319, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 18/06/2008)
Assim, reconhecido o dever da ré em reparar eventuais prejuízos ao demandante, e ao litisdenunciado, por sua vez, ressarcir regressivamente a requerida, passo à análise da efetiva existência de abalo moral na espécie.

b) Danos Morais
21. Quanto aos danos morais experimentados pelo autor, tenho que esses se revelam evidentes na espécie.
22. Com efeito, a proteção à imagem pode ser dividida em dois aspectos para fins de indenização por dano moral. Primeiro, pode-se fazer referência à ofensa à imagem-retrato, consistente na simples divulgação da imagem da pessoa sem sua autorização. Segundo, tem-se a imagem-atributo, consistente na forma como indivíduo é visto pela sociedade. Nesse último caso, a ofensa à imagem-atributo somente se verificará quando denegrida a imagem do autor na sociedade em que vive.
De fato, assiste razão à ré quanto ao fato de não ter o autor apelante sofrido abalo em sua imagem-atributo, porquanto, nada de pejorativo trouxe a comercialização do álbum de figurinhas à forma como o autor era, ou é, visto socialmente. No entanto, o argumento perde força no que toca à imagem-retrato do autor, porquanto sua fotografia foi veiculada nacionalmente sem o seu consentimento, situação que se encontra vedada pelo ordenamento jurídico.
Nesse sentido, manifestou-se esta Corte em recente decisão: APELAÇÃO CÍVEL E RECURSO ADESIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO À IMAGEM. PUBLICAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE FOTO EM ÁLBUM DE FIGURINHAS. AGRAVO RETIDO. PRESCRIÇÃO. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. (...). Quanto ao apelo do autor, cumpre registrar que a proteção constitucional da imagem encerra dois aspectos: o primeiro, relativo à imagem física do cidadão (imagem-retrato), e o segundo, referente à condição social da pessoa (imagem-atributo). No caso dos autos, a veiculação da imagem do autor não foi desonrosa, razão por que não há falar em dano à imagem-atributo. Entretanto, violada está a imagem-retrato, pois restou divulgada a fotografia do autor, jogador de futebol, em álbum de figurinhas, sem que tenha havido a necessária autorização prévia. Tal situação acarreta dano na modalidade ¿in re ipsa¿, sendo inerente ao próprio fato. A indenização, arbitrada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), deve ser suportada, regressivamente, pelo Sport Club Internacional, em virtude do contrato havido com a Editora Abril Panini. Inteligência do artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil. Agravo retido desprovido. Apelo do autor provido, prejudicado o recurso adesivo. (Apelação Cível Nº 70021337100, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 13/02/2008).
23. Tal situação acarreta dano na modalidade “in re ipsa”, decorrente da própria divulgação indevida da imagem do autor. Tal entendimento vem sendo adotado por esta Corte: (a) APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. VEICULAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM DE ATLETA PROFISSIONAL EM LIVRO ILUSTRADO. VIOLAÇÃO DO DIREITO DE IMAGEM. DANOS MORAIS. QUANTUM. (...) 4. A utilização da imagem de atleta profissional em livro ilustrado deve ser precedida de sua autorização, pois a imagem é direito personalíssimo e configura ilícito a sua utilização indevida, ainda mais quando possui finalidade lucrativa. Evidenciada a ocorrência de danos morais. 5. Reduzido o quantum indenizatório a título de danos morais para R$ 8.500,00 (oito mil e quinhentos reais), considerando as peculiaridades do caso em tela. 6. Juros de mora de 1% ao mês e correção monetária pela variação mensal do IGP-M, ambos desde a data deste acórdão. Orientação desta Nona Câmara Cível. 7. Honorários advocatícios fixados em 15% sobre o valor da condenação, observado o art. 20, § 3º do CPC. AGRAVOS RETIDOS DESPROVIDOS. APELOS PARCIALMENTE PROVIDOS. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70023651359, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 30/04/2008). No mesmo norte, o entendimento do 5º grupo Cível: Embargos Infringentes Nº 70028775039, Quinto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 15/05/2009.
Na mesma linha, precedente da minha Relatoria: (...) 3. RESPONSABILIDADE CIVIL. A divulgação da imagem do autor em álbum de figurinhas sem sua autorização é apta a gerar dano moral in re ipsa, o qual independe de prova, decorrendo diretamente da violação ao atributo da personalidade. (...) (Apelação Cível Nº 70024677676, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 17/12/2008).
No mesmo sentido, o STJ nos seguintes julgados: (a) REsp 113.963/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 20.09.2005, DJ 10.10.2005 p. 369; (b) REsp 67.292/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 03.12.1998, DJ 12.04.1999 p. 153; (c) REsp 100.764/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 24.11.1997, DJ 16.03.1998 p. 137; (d) REsp 148.213/RJ, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 04.11.1997, DJ 19.12.1997 p. 67516.
24. No que toca quantum indenizatório, frise-se que o valor a ser concedido deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão de proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto suficiente no causador do mal, a fim de dissuadi-lo de novo atentado.
Nesta linha, entendo que a condição econômica das partes, a repercussão do fato e a conduta do agente devem ser perquiridos para a justa dosimetria do valor indenizatório.
O autor, que hoje é comerciante, litiga sob o amparo da assistência judiciária gratuita, o que indica ser de baixa condição financeira. A ré, por sua vez, é empresa de porte nacional, de condição econômica privilegiada.
Cumpre referir que a conduta da ré, ainda que ilícita, estava amparada por documento com a qual acreditava estar autorizada a divulgar a imagem do autor. Tal fato deve ser sopesado na quantificação aqui proposta.
25. Assim, ponderados tais critérios, tenho que o valor nominalmente fixado na origem, qual seja, R$ 5.000,00 (cinco mil reais), acrescido de juros moratórios desde a citação e correção monetária desde a sentença, mostra-se suficiente para atenuar as consequências dos danos causados à imagem do ofendido, não significando um enriquecimento sem causa, punindo o responsável e dissuadindo-o da prática de novo atentado.
26. Nesse aspecto, aliás, calha referir que a correção monetária não constitui plus, e sim mera atualização da moeda, devendo incidir a partir da fixação do quantum devido, é dizer, a partir do julgamento, ou seja, da sentença. Nesse sentido, a Súmula 362 do STJ: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”.
Portanto, em se tratando de condenação ao pagamento de indenização por danos morais, deve a correção monetária fluir da data da sentença.
27. Todavia, deve ser alterada a data inicial para a incidência dos juros de mora. Neste ponto, não há que se falar em violação ao princípio do tantum devolutum quantum appellatum, ou à vedação da reformatio in pejus, pois entendo que a correção monetária e os juros moratórios integram o montante da indenização, razão pela qual é possível alterá-los quando haja recurso para majorar ou minorar a verba reparatória. Ademais, trata-se de pedido implícito, nos termos do art. 293 do Código de Processo Civil, podendo o magistrado concedê-los ex officio.
Assim, na hipótese de reparação por dano moral, entendo cabível o início da contagem dos juros moratórios a partir da fixação do quantum indenizatório, ou seja, a contar do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. Dessa forma, além de se ter o quantum indenizatório justo e atualizado, evita-se que a morosidade processual ou a demora do ofendido em ingressar com a correspondente ação indenizatória gere prejuízos à parte demandada, sobretudo, em razão do caráter pecuniário da condenação (REsp 618940/MA; Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro; Terceira Turma; julgado em 24/05/2005; DJ 08.08.2005 p. 302.).
Saliento, por oportuno, que tal posicionamento não afronta o verbete da Súmula nº 54 do STJ, ao revés, harmoniza-se com o entendimento daquela Corte. A ultima ratio do enunciado sumular é destacar que a reparação civil por dano moral deve possuir tratamento diferenciado na sua quantificação em relação ao dano material, dado o objetivo pedagógico, punitivo e reparatório da condenação.
Assim, mantido o valor nominal fixado em sentença, devem os juros moratórios também fluir a partir da sentença.
28. Destarte, nego provimento ao apelo do autor e dou parcial provimento ao apelo da litisdenunciada nesse tocante, de forma a, minorando o quantum indenizatório fixado na origem, determinar que sobre o valor arbitrado em sentença incidam juros moratórios de 12% ao ano, a contar da sentença.

c) Ônus Sucumbenciais
29. A EDITORA ABRIL S/A, postulou, em sede de apelo, que, em caso da manutenção da decisão no que se refere ao feito principal, fosse a litisdenunciada condenada ao pagamento também dos ônus sucumbenciais relativo àquela lide, dos prejuízos por ela suportados, com base no contrato juntado aos autos às fls. 75/81.
O contrato referido, como já referido anteriormente, versa sobre a licença concedida pelo denunciado SPORT CLUB INTERNACIONAL à denunciante, para que esta divulgasse a imagem do autor da ação em álbum de figurinhas. No referido contrato, consta, em sua cláusula oitava, que a cedente assumia total e exclusiva responsabilidade pelos direitos cedidos por força deste contrato, obrigando-se, por conseguinte, a responder a toda e qualquer reivindicação realizada à cessionária por eventuais prejuízos por ela sofridos oriundos de eventuais reclamações (fl. 77 - grifei).
Ora, conforme se extrai, a cedente, aqui denunciada, assumiu a total responsabilidade por todo e qualquer prejuízo sofrido pela cessionária em decorrência de qualquer direito abrangido pela avença, devendo ser aí computadas as custas da demanda principal, no qual restara a ré sucumbente, porque decorrem indiretamente do ato ilícito praticado pelo clube litisdenunciado.
30. Aliás, tal entendimento coaduna-se com a própria teleologia do artigo 70, inciso III, do CPC, que dispõe que a denunciação à lide é sempre obrigatória àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda: ou seja, não faz o referido dispositivo qualquer distinção entre as espécies de prejuízos que poderá o denunciante exigir que o denunciado garanta, sejam eles relativos a eventuais pleitos indenizatórios, ou mesmo os ônus sucumbenciais advindos de tais ações. Portanto, pela locução da cláusula oitava da avença mantida entre a embargante a litisdenunciada, pode-se perfeitamente inferir que caberia à associação desportiva arcar com todos os prejuízos advindos do contrato de cessão de imagem, inclusive aqueles atinentes aos ônus sucumbenciais relativos à ações em que porventura se envolvesse em razão da referida avença.
Nesse norte, assim já me manifestei: EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO SANADA COM EFEITO INFRINGENTE. 1. Admissível o acolhimento de embargos declaratórios para sanar omissão, contradição ou obscuridade existentes no acórdão, importando ou não na modificação do julgado atacado. 2. Na hipótese, o acórdão foi efetivamente omisso ao não dispor que também caberia à litisdenunciada arcar com os ônus sucumbenciais derivados da ação principal. Com efeito, os termos contratuais prevêem de maneira expressa que caberia à associação desportiva ressarcir todos os prejuízos que porventura viesse a embargante a ter em razão da referida avença, aí compreendidas inclusive as custas e honorários relativos à ação principal. ACOLHERAM OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, COM EFEITO INFRINGENTE. UNÂNIME. (Embargos de Declaração Nº 70025101569, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 30/07/2008).
Desta feita, dou provimento ao apelo da ré nesse ponto, para condenar a litisdenunciada a também ressarcir a ré pelos ônus sucumbenciais por esta última suportados, em razão do resultado de procedência da lide principal.

II. DISPOSITIVO

31. Destarte, voto por: (a) negar provimento ao apelo do autor; (b) dar parcial provimento ao apelo da litisdenunciada, para determinar que sobre o quantum indenizatório incidam juros moratórios de 12% ao ano, a partir da sentença; (c) dar parcial provimento ao apelo da ré, para condenar a litisdenunciada a ressarcir a ré pelos ônus sucumbenciais por esta última suportados, em razão do resultado da lide principal.
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (PRESIDENTE E REVISORA) - De acordo.
DES.ª MARILENE BONZANINI BERNARDI - De acordo.
DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA - Presidente - Apelação Cível nº 70030285670, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AOS APELOS DA RÉ E DA LITISDENUNCIADA. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: MARIA THEREZA BARBIERI



[1] RT 568/215

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