terça-feira, 22 de setembro de 2009

Sentença. Revisional de financiamento de veículo automotor. Má-fé. Extinção do proceso sem julgamento do mérito

Comarca de ALEGRETE

1ª Vara CÍVEL

Processo nº:

002/1.09.0003033-0

Natureza:

Anulatória

Autor:

XXXXXXXXXXXXX

Réu:

Banco Itaú S/A

Data:

21/09/09

 

RELATÓRIO

XXXXXXXXX, já qualificado, ajuizou “ação de anulação e revisão de cláusulas contratuais, cumulada com pedido de tutela antecipada” contra BANCO ITAÚ S/A, igualmente qualificado, aduzindo que o contrato firmado com o réu possui cláusulas abusivas que feririam os preceitos do CDC, postulando a revisão do contrato, a exibição de documentos e o benefício da AJG.

Instada a parte autora a demonstrar a necessidade da concessão da AJG, o requerente se manifestou informando que fora juntado aos autos seu contracheque (fls. 23/25).

Vieram os autos conclusos.

FUNDAMENTAÇÃO

Compulsando os autos, verifico que a inicial merece ser indeferida, de plano, por inépcia, pois observo que o requerente age em evidente má-fé, sendo o pedido juridicamente impossível na forma como proposto.

Isto porque o autor deduz pretensão de revisão de contrato em menos de três meses após o vencimento da primeira parcela ( 22/05/2009) (fl. 17).

O artigo 422 do Código Civil, já em vigor quando da contratação, estabelece como cláusulas gerias dos contratos a probidade e a boa-fé objetiva, princípios estes já previstos no Código de Defesa do Consumidor, legislação utilizada pela parte autora para embasar seu pedido.

Friso, por oportuno que, embora entenda que a atividade bancária esteja sujeita aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, isso não afasta a análise de todas as circunstâncias que envolveram a relação negocial, notadamente os mandamentos jurídicos, dentre os quais está a boa-fé objetiva.

A boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade, atributos estes que não verifico na espécie, em razão do agir do autor, que quatro meses após a pactuação (e três depois do primeiro pagamento) ingressa com demanda judicial para revisar as cláusulas do contrato que livremente firmou. Ademais, a contratação se deu para compra de um veículo automotor zero quilômetro que, em princípio, não se trata de gênero de primeira necessidade.

A parte autora, ao que se denota, obteve vantagem com a contratação, eis auferiu os valores que necessitava para aquisição do veículo e agora age de forma maliciosa, pretendendo revisar um contrato, arguindo que o mesmo seria de adesão e conteria cláusulas abusivas. Ora, a parte demandante qualifica-se como comerciante, possuindo, por evidente, conhecimento pleno dos juros aplicados no mercado, sendo presumível que já tenha se beneficiado em outras oportunidades de contratos de mutuo para realizar outros negócios jurídicos.

Assim, o demandante age, neste momento, de forma contrária à conduta adotada quando da realização do negócio, salientando-se que não deixou de contratar ao ter ciência das cláusulas apostadas no instrumento, ainda que este tenha sido de adesão. Repise-se, em se tratando de bem não qualificado como de primeira necessidade, poderia aparte demandante optar por não contratar.

Neste norte, destaca Nery:

“A ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta, quando essa conduta interpretada objetivamente segundo a lei, os bons costumes ou a boa-fé, justifica a conclusão de que não se fará valer o direito, ou quando o exercício posterior choque contra a lei, os bons costumes ou a boa-fé” (Enneccerus-Nipperdey, All.Teil, v.1, t.II, § 228, n. IV, pp. 139 e ss) (...) Isso significa dizer que, aquele que praticou determinado ato ou permitiu à contra parte a prática de determinada conduta, não pode, posteriormente, alegar circunstância que se contraponha àquelas posturas iniciais a que ele mesmo dera causa. Impede-se, por outras palavras, “o obrar incoerente que lesiona a confiança suscitada na outra parte da relação e impõe aos sujeitos um comportamento probo nas relações jurídicas” (Rúben Héctor Compagnucci de Caso, La doctrina de los prórpios actos y la declaración tácita de la vluntad, in La Ley, tomo 1985-A, Buenos Aires, 1985, p. 1001)”. (JUNIOR, Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery. Códgo Civil Comentado. 6ª ed. , 2008. São Paulo: RT, p. 507.)

De se observar que o simples fato de se tratar o contrato em litígio de contrato de adesão não tem o condão de infirmar o ajuste feito entre as partes, vale dizer, não será necessariamente injusto só por se tratar de contrato de adesão.

Digo isto porque se pode constatar mediante a análise dos documentos juntados que se está frente a contrato de financiamento, com taxa prefixada – contrato de financiamento com prestação fixa, onde o contratante sabe de antemão o percentual de juros remuneratórios embutidos no valor financiado – e, nesta espécie de pacto é preciso que o devedor demonstre que após a conclusão do contrato houve alteração em sua condição econômica de molde a permitir a revisão das cláusulas contratuais, restabelecendo o equilíbrio entre as partes. Se era possível, na época da contratação, pagar o valor ajustado porque deixou de ser no momento em decidiu-se por revisar o avençado?

Aliás, fundamenta o demandante o seu pedido na onerosidade excessiva, sendo que tal circunstância enseja a revisão do contrato em virtude de fatos supervenientes não previstos pelas partes quando da conclusão do negócio.

Neste sentido, vem referido no “Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto”:

A onerosidade excessiva pode propiciar o enriquecimento sem causa, razão pela qual ofende princípio;ipio da equivalência contratual, princípio esse instituído como base das relações jurídicas de consumo (art. 4°, n° III, e art. 6°, n° II, do CDC). É aferível de acordo com circunstâncias concretas que não puderam ser previstas pelas partes quando da conclusão do contrato.

Somente as circunstâncias extraordinárias é que entram no conceito de onerosidade excessiva, dele não fazendo parte os acontecimentos decorrentes da álea normal do contrato. Por “álea normal' deve entender-se o risco previso, que o contratante deve suportar, ou, se não previsto explicitamente no contrato, de ocorrência presumida em face da peculiaridade da prestação ou do contrato. (GRINOER, Ada Pellegrini et al. Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 602.)

No caso sub judice, pelo que se infere dos documentos juntados, notadamente os documentos de cobrança que detém sempre os mesmos valores e até mesmo pelas informações constantes da peça incoativa, quando houve a contratação o demandante teve ciência do percentual de juros remuneratórios e demais cláusulas que incidiriam sobre o valor mutuado. O contrato foi firmado sem qualquer espécie de coação, o que se presume diante do silêncio a respeito. Se coação houvesse, caberia ao autor fazer tal prova, assim como também era sua a prova de que houve alteração em sua condição financeira, apta a tornar impossível o cumprimento do contratado, importando em onerosidade excessiva da prestação, porém nada veio os autos neste sentido.

Não basta, portanto, a alegação de que os juros remuneratórios excedem o limite de 12% ao ano, especialmente porque este fato era de seu conhecimento quando firmou o contrato, pois, além de no contrato constar a taxa anual de juros (circunstância afirmada pela parte na inicial), também constou o número de parcelas e o valor fixo de cada uma delas. Sabia, portanto, o autor o valor que estava financiando e o valor que efetivamente pagaria à financeira.

Da mesma forma não restou demostrado haver vantagem exagerada ao fornecedor. Ora, o consumidor que realiza financiamento do valor de R$ 52.543,90 deve possui renda suficiente a arcar com a prestação no valor de R$ 1.373,07, como correu no caso concreto.

Aliás, neste ponto reside outro elemento caracterizador da má-fé da parte autora. A parte demandante pleiteia concessão do benefício da AJG não obstante se declare pessoa comerciante, de que se presume tenha capacidade econômica incompatível com a concessão do beneficio e, ainda, quando instada a comprovar sua necessidade, apenas faz referência a documento que comprova renda no valor de R$ 413,85 (fl.16). Dita afirmação beira ao deboche, na medida que é notório que com referida renda jamais teria conseguido realizar mútuo cuja prestação corresponderia a mais de 331% daquele (R$ 1.373,07)!

Seria importante o autor explicar como contratou financiamento de carro cuja parcela custa R$ 1.373,07 (fls. 17/20) se seus vencimentos são de R$ 413,85 (fl. 16). Por evidente que o demandante detém outros meios de renda, até porque se declarou comerciante, assim como detém a comprovação de tais rendimentos, pois que é de conhecimento comum que as instituições financeiras exigem comprovação de renda para avaliar a liberação do crédito.

Aliás, por esse motivo deve ser oficiado à Receita Federal, para análise da regularidade das declarações prestados para fins de imposto de renda.

Assim, o demandante deixa de expor a verdade, pretendendo, de forma até ingênua, alterar a verdade dos fatos e beneficiar-se da própria torpeza, conduta esta que classifica como de má-fé, com previsão legal no art. 17, II, do CPC.

Tudo está a indicar, em face do curto espaço de tempo entre a realização do negócio jurídico e a propositura da demanda, que o autor, munindo-se do protecionismos consumerista, identificou sua impossibilidade de adimplir o pactuado já no momento em que o efetivou e visualizou a possibilidade de se beneficiar de eventual revisão do contrato, seja para reduzir os valores, seja para postergar o pagamento, demonstrando total contradição ao que preceitua os ditames da boa-fé objetiva, que se exige também do consumidor e não só do fornecedor.

Não se quer aqui dizer que não seja possível a revisão de contrato logo após a sua efetivação, mas que para tal pretensão é necessário que a parte comprove a alteração de sua condição econômica, circunstância esta, repito, não comprovada na espécie.

Trata-se, portanto, de pedido juridicamente impossível conforme posto, já que o ordenamento jurídico não permite revisão contratual quando a parte age de má-fé já na contratação. A petição inicial, pois, É INEPTA.

DISPOSITIVO

Isso posto, INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL POR SER INEPTA (impossibilidade jurídica do pedido) E EXTINGO O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, nos termos dos artigos 267, I, 295, I, parágrafo único, III, do Código de Processo Civil.

Deixo de condenar o demandante por litigância de má-fé tendo em vista que ainda não houve a angularização do feito.

Sucumbente, CONDENO o autor ao pagamento do décuplo das custas judiciais, conforme artigo 4º, § 1º, da Lei 1.060/50.

Independentemente do trânsito em julgado, OFICIE-SE à Receita Federal, com cópia integral e autenticada dos autos, para que se investigue a declaração de imposto de renda do autor, que mesmo tendo vencimentos de R$ 413,85 efetuou financiamento com parcela de R$ 1.373,07 (60 vezes), tendo adquirido bem contraditoriamente a sua autoindicada renda, o que é suspeita de sonegação de imposto de renda.

Deixo de requisitar a instauração de inquérito policial pelo cometimento, em tese, do crime de falsidade ideológica na declaração de pobreza diante da subjetividade da afirmação da parte, de não possuir condições de arcar com as custas processuais e honorários advocatícios no presente momento em prejuízo do próprio sustento, o que levaria à investigação pouco efetiva.

Publique-se.

Registre-se.

Intime-se.

Alegrete, 21 de setembro de 2009.

DIEGO DIEL BARTH,

Juiz de Direito, em substituição.

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