terça-feira, 29 de setembro de 2009

STF - Ultrapassados cinco anos da concessão do benefício de pensão por invalidez é necessária a intimação do interessado para exercer o direito ao contraditório e à ampla defesa

 

MS/28255 - MANDADO DE SEGURANÇA

Origem: DF - DISTRITO FEDERAL

 

Relator: MIN. CARLOS BRITTO

DECISÃO: Vistos, etc.

Trata-se de mandado de segurança, aparelhado com pedido de medida liminar, impetrado por Afonso Ferreira Filho, representado por sua curadora Edna Navaroli, contra ato do Tribunal de Contas da União. Ato consubstanciado no Acórdão nº 3.369/2009 – 1ª Câmara.

2. Argui o autor ser beneficiário, desde o falecimento de seu pai, em 2001, de pensão civil fundamentada na alínea “a” do inciso II do art. 217 da Lei nº 8.112/90 (pensão temporária a filho inválido, enquanto durar a invalidez). Alega que, em agosto de 2009, foi surpreendido com o Acórdão nº 3.369/2009, do Tribunal de Contas da União, que negou registro à pensão. Acórdão que foi prolatado sem que o impetrante fosse ouvido no processo administrativo. Daí sustentar violação às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa e requerer a concessão de liminar para suspender os efeitos do referido acórdão, com o imediato restabelecimento da pensão.

3. Feito esse aligeirado relato da causa, passo à decisão. Fazendo-o, pontuo, de saída, que o poder de cautela dos magistrados é exercido num juízo provisório em que se mesclam num mesmo tom a urgência da decisão e a impossibilidade de aprofundamento analítico do caso. Se se prefere, impõe-se aos magistrados condicionar seus provimentos acautelatórios à presença, nos autos, dos requisitos da plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris) e do perigo da demora na prestação jurisdicional (periculum in mora), perceptíveis de plano. Requisitos a ser aferidos primo oculi, portanto. Não sendo de se exigir, do julgador, uma aprofundada incursão no mérito do pedido ou na dissecação dos fatos que a este dão suporte, senão incorrendo em antecipação do próprio conteúdo da decisão definitiva.

4. No caso, tenho como presentes os requisitos necessários à concessão da medida liminar. É que a instituição do benefício em favor do impetrante ocorreu em 2001 e somente em 2009 o Tribunal de Contas da União apreciou a legalidade do ato, para fins de registro. Ultrapassados cinco anos do deferimento da pensão pela Administração Pública, tenho por necessária a intimação do interessado para exercer seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Assim me manifestei nos MS’s 25.116 e 25.403, in verbis:

“15. Naquela oportunidade [julgamento do MS 24.268], manifestei minha concordância com o voto do insigne Ministro [Gilmar Mendes], ressaltando que o Tribunal de Contas, ao apreciar a legalidade de um ato concessivo de pensão, aposentadoria ou reforma, não precisa ouvir a parte diretamente interessada, porque a relação jurídica imediatamente travada, nesse momento, é entre o Tribunal de Contas e a Administração Pública. Relação tipicamente endo-administrativa, portanto. Num segundo momento, porém, com o julgamento da legalidade daquele primeiro ato administrativo de concessão da aposentadoria, reforma ou pensão, o que se tem já é a confirmação do direito de crédito contra a Fazenda Pública no bojo de uma típica relação de trato sucessivo.

(...)

17. Consoante relatado, o presente mandado de segurança foi manejado contra ato do Tribunal de Contas, que negou registro à aposentadoria do impetrante. Cuida-se, então, de relação jurídica imediatamente travada entre a Corte de Contas e a Administração Pública. Todavia, impressiona-me o fato de a recusa do registro da inatividade ocorrer depois de passados quase seis anos da sua unilateral concessão administrativa. Fato que está a exigir, penso, uma análise jurídica mais detida. É que, no caso, o gozo da aposentadoria por um lapso prolongado de tempo confere um tônus de estabilidade ao ato sindicado pelo TCU, ensejando questionamento acerca da incidência dos princípios da segurança jurídica e da lealdade (que outros designam por proteção da confiança dos administrados).

(...)

21. Pois bem, considerando o status constitucional do direito à segurança jurídica (art. 5º, caput), projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º) e elemento conceitual do Estado de Direito, tanto quanto levando em linha de consideração a lealdade como um dos conteúdos do princípio da moralidade administrativa (caput do art. 37), faz-se imperioso o reconhecimento de certas situações jurídicas subjetivas ante o Poder Público. Mormente quando tais situações se formalizam por ato de qualquer das instâncias administrativas desse Poder, como se dá com o ato formal de uma determinada aposentadoria.

22. Em situações que tais, é até intuitivo que a manifestação desse órgão constitucional de controle externo há de se formalizar em tempo que não desborde das pautas elementares da razoabilidade. Todo o Direito Positivo é permeado por essa preocupação com o tempo enquanto figura jurídica, para que sua prolongada passagem em aberto não opere como fator de séria instabilidade inter-subjetiva ou mesmo intergrupal. Quero dizer: a definição jurídica das relações interpessoais ou mesmo coletivas não pode se perder no infinito. Não pode descambar para o temporalmente infindável, e a própria Constituição de 1988 dá conta de institutos que têm no perfazimento de um certo lapso temporal a sua própria razão de ser. É o caso dos institutos da prescrição e da decadência, a marcar explícita presença em dispositivos como estes:

(...)

23. Mais recentemente, por efeito da Emenda Constitucional nº 45/04, a Constituição Federal passou a albergar, explicitamente, o direito à razoável duração do processo – inclusive os de natureza administrativa, conforme a seguinte dicção:

‘LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’.

24. Sem dúvida, pois, que determinadas pautas temporais são, em si mesmas, um tão relevante aspecto da vida que chegam a merecer direto tratamento constitucional. Importando, aqui, saber se não existe uma espécie de tempo médio que resuma em si, objetivamente, o desejado critério da razoabilidade.

25. Ora bem, na busca desse tempo médio, pontuo que é do mesmo Almiro do Couto e Silva esta ponderação:

‘Cremos que, desde a vigência da Lei da Ação Popular o prazo prescricional das pretensões invalidantes da Administração Pública, no que concerne a seus atos administrativos é de cinco anos’. (SILVA, Almiro do Couto. Prescrição quinqüenária da pretensão anulatória da administração pública com relação a seus atos administrativos. In: Revista de Direito Administrativo. Abr./jun. 1996. Rio de Janeiro, 204:21-31).

26. É dizer, então: partindo do fundamento de que a pretensão anulatória de qualquer um do povo, frente aos atos administrativos ilícitos ou danosos, não deve ser diversa daquela do Poder Público para ver os particulares jungidos a ele, Poder Público, o renomado autor entende que o parágrafo 3o do artigo 6o da Lei nº 4.717/65 é de ser interpretado à luz dessa ponderação. Daí arrematar:

‘O prazo de cinco anos, que é o prazo prescricional previsto na Lei da Ação Popular, seria, no meu entender, razoável e adequado para que se operasse a sanação da invalidade e, por conseqüência, a preclusão ou decadência do direito e da pretensão de invalidar, salvo nos casos de má-fé dos interessados’. (SILVA, Almiro do Couto. Prescrição quinqüenária da pretensão anulatória da administração pública com relação a seus atos administrativos. In: Revista de Direito Administrativo. Abr./jun. 1996. Rio de Janeiro, 204:21-31).

27. De forma convergente quanto à razoabilidade desse prazo médio dos 5 anos, o Congresso Nacional elaborou a Lei nº 9.784/99 e, nela, estatuiu (art. 54) que ‘o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé’. Ademais, essa mesma lei, reguladora do processo administrativo federal, teve o mérito de também explicitar o subprincípio da boa-fé como obrigatória pauta de conduta administrativa, a teor do inciso IV do parágrafo único do art. 2o, cujo caput também determina a obediência da Administração Pública, dentre outros, aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade e segurança jurídica, in verbis:

(...)

28. Não é só. Também o Código Tributário Nacional determina que se extingue em 5 anos o direito de a Fazenda Pública constituir e cobrar judicialmente os créditos fiscais (arts. 173 e 174). Isto, naturalmente, para que o contribuinte não fique sob prolongada incerteza quanto a cobrança dos valores de que o Fisco se considera credor. Leia-se:

(...)

29. Não por coincidência, a Constituição fez desse mesmo lapso dos 5 anos critério de fixidez de efeitos jurídicos entre toda a Administração Pública brasileira e aqueles seus servidores que, mesmo desconcursados, já contassem 5 ou mais anos de contínuo labor, à data em que ela, Constituição, entrou em vigor. Confira-se:

(...)

30. Nessa mesma vertente, a Lei Maior de 1988 fez desse emblemático transcurso dos 5 anos ininterruptos um dos pressupostos do chamado usucapião extraordinário, tanto de natureza urbana quanto rural, a teor desta sonora dicção:

(...)

31. Enfim, torna a Constituição a fazer da pauta dos 5 anos referência para a prescrição em tema de crédito trabalhista, in verbis: ‘art. 7º. XXIX: ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho’.

32. Bem vistas as coisas, então, já se percebe que esse referencial dos 5 anos é de ser aplicado aos processos de contas que tenham por objeto o exame de legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões. Isto na acepção de que, ainda não alcançada a consumação do interregno qüinqüenal, não é de se convocar os particulares para participar do processo do seu interesse. Contudo, transcorrido in albis esse período, ou seja, quedando silente a Corte de Contas por todo o lapso qüinqüenal, tenho como presente o direito líquido e certo do interessado para figurar nesse tipo de relação jurídica, exatamente para o efeito do desfrute das garantias do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV).

33. Em palavras outras: do exame do Ordenamento Jurídico brasileiro em sua inteireza é possível concluir pela existência de uma norma que bem se aplica aos processos de contas. Que norma? Essa que assegura ao interessado o direito líquido e certo de exercitar as garantias do contraditório e da ampla defesa, sempre que uma dada Corte de Contas deixar de apreciar a legalidade de um ato de concessão de pensão, aposentadoria ou reforma fora do multicitado prazo dos cinco anos. Isto pela indesmentida proposição de que, por vezes, a norma jurídica se encontra não num particularizado dispositivo, mas no conjunto orgânico de vários deles. É como dizer: aqui e ali, a inteireza de uma norma se desata de dispositivos sediados, ora em somente um, ora em esparsos dispositivos de u´a mesma lei; valendo-se o intérprete, naturalmente, da utilização do método sistemático em sua mais dilargada dimensão.”

5. Ante o exposto, defiro a liminar para suspender os efeitos do Acórdão nº 3.369/2009 – TCU – 1ª Câmara, com o consequente restabelecimento da pensão do impetrante.

6. Notifique-se a autoridade apontada como coatora para que preste, no prazo de 10 (dez) dias, as informações que entender necessárias (inciso I do art. 7º da Lei nº 12.016/2009).

7. Intime-se o Advogado-Geral da União para, querendo, ingressar no processo (inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016/2009). Após, dê-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 22 de setembro de 2009.

 

Ministro CARLOS AYRES BRITTO

Relator

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