sexta-feira, 18 de setembro de 2009

STJ - Administrativo. Fornecimento de água. Cobrança de tarifa progressiva. Legitimidade

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.113.403 - RJ (2009⁄0015685-3)

RELATOR : MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI
RECORRENTE : COMPANHIA ESTADUAL DE ÁGUAS E ESGOTOS CEDAE
ADVOGADO : SERGIO BERMUDES E OUTRO(S)
RECORRENTE : CASAS SENDAS COMÉRCIO E INDÚSTRIA S⁄A
ADVOGADO : CARLOS HENRIQUE DA FONSECA E OUTRO(S)
RECORRIDO : OS MESMOS

EMENTA

ADMINISTRATIVO. SERVIÇOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA.  COBRANÇA DE TARIFA PROGRESSIVA. LEGITIMIDADE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE TARIFAS. APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DO CÓDIGO CIVIL. PRECEDENTES.

1. É legítima a cobrança de tarifa de água fixada por sistema progressivo.

2. A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.

3. Recurso especial da concessionária parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. Recurso especial da autora provido. Recursos sujeitos ao regime do art. 543-C do CPC.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer parcialmente do recurso especial da Companhia Estadual de Águas e Esgotos CEDAE e, nessa parte, dar-lhe provimento. Conhecer, também, do recurso especial da Casas Sendas Comércio e Indústria S⁄A e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, HamiltonCarvalhido, Eliana Calmon e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Denise Arruda.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Castro Meira.

Brasília, 09 de setembro de 2009.

MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI

Relator

 

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI (Relator):

Trata-se de demanda movida por sociedade comercial contra Companhia Estadual de Águas e Esgotos - CEDAE, do Rio de Janeiro, visando (a) a declaração de inexistência da obrigação de pagar taxa de esgoto, (b) a ilegitimidade da cobrança da tarifa de água pelo regime de "tarifa progressiva" e (c) a restituição do que, a esses títulos, foi pago indevidamente àconcessionária. Julgando a apelação, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro acolheu o pedido nos seguintes termos: (a) há prova "pericial produzida nos autos concluindo que o serviço de esgoto não está sendo prestado pela concessionária", sendo, por isso, ilegítima a cobrança da correspondente tarifa  (fl. 1393); (b) também é ilegítima a cobrança da tarifa de água por sistema progressivo, só viável quando "implementada de forma escorreita por intermédio de lei, o que não ocorreu" (fl. 1397) e, além disso, "há de se destacar que o escalonamento - termo utilizado na legislação de água - não autoriza a progressividade" (fl. 1397); (c) a prescrição aplicável ao caso é a "vintenária atribuída às ações pessoais" (fl. 1398). Foram acolhidos os embargos infringentes (fls. 1452⁄1461), reformando-se o acórdão no tocante à prescrição, para "limitar a devolução dos valores pagos indevidamente "ao prazo prescricional qüinqüenal estabelecido no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor" (fl. 1461).

No primeiro recurso especial (fls. 1482⁄1496), a Companhia Estadual de Águas e Esgotos -CEDAE defende a legitimidade da cobrança das tarifas questionadas. Quanto a tarifaprogressiva de água, aponta, além de dissídio jurisprudencial, ofensa aos seguintes dispositivos: (a) art. 13 da Lei 8.987⁄95, que autoriza a "fixação de tarifas diferenciadas, em função de características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários" (fl. 1485); (b) arts. 11 e 12 do Decreto 82.587⁄78 e art. 4º da Lei6.528⁄78, o qual, ao dispor que a "fixação tarifária levará em conta a viabilidade do equilíbrioeconômico-financeiro das companhias estaduais de saneamento básico e a preservação dosaspectos sociais dos respectivos serviços, de forma a assegurar o adequado atendimento dosusuários de menor consumo, com base em tarifa mínima", objetivou uma política eminentementesocial. Relativamente à tarifa de esgoto, alega que "restou incontroversa a prestação de serviços de esgotamento sanitário, mesmo que não em todas as suas (...) etapas", o que autoriza a cobrança.

No segundo recurso especial (fls. 1.507⁄1.522), a autora defende que a prescrição, no caso, deve observar o prazo estabelecido no Código Civil, sendo, portanto, vintenária. Aponta, além dedissídio jurisprudencial, ofensa aos arts. 27 do CDC e 177 do Código Civil de 1916, alegando, emsuma, que "não se trata de reparação de danos causados pelos serviços prestados pela CEDAE", o que afasta a incidência da norma prescricional do Código do Consumidor (fl. 1511); assim, "por se tratar de ação pessoal e não possuindo a legislação de regência qualquer menção à prescrição, a mesma é de 20 (vinte) anos", nos termos do Código Civil (fl. 1512).

Contra-razões às fls. 1579⁄1580.

Submetido o recurso à sistemática do art. 543-C do CPC (fl. 1.590), manifestou-se o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso especial da CEDAE e pelo desprovimento daquele interposto pela Casa Sendas Comércio e Indústria S⁄A (fls. 335⁄342).

É o relatório.

 

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI (Relator):

1.O recurso da CEDAE não pode ser conhecido quanto à cobrança da tarifa pelos serviços de esgotamento sanitário. É que, no particular, o que se discute é apenas uma questão de fato: o de ter havido ou não a efetiva prestação do serviço. Limitada a discussão a esse âmbito, oconhecimento do recurso esbarra no óbice da Súmula 7⁄STJ.

2.Subsistem, portanto, duas questões: (a) a da legitimidade da cobrança da tarifa de água peloregime de tarifa progressiva e (b) a do prazo prescricional para a ação visando a restituição detarifa paga indevidamente.

3.Relativamente ao primeiro ponto, a jurisprudência de ambas as Turmas que compõem a 1ªSeção desta Corte consolidou-se no sentido de que é legítima a cobrança do serviço defornecimento de água mediante tarifa progressiva escalonada de acordo com o consumo. Nessesentido:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO PÚBLICO. FORNECIMENTO DE ÁGUA. POLÍTICA TARIFÁRIA. TARIFA PROGRESSIVA. LEGITIMIDADE (LEI 6.528⁄78, ART. 4º; LEI 8.987⁄95, ART. 13). DOUTRINA. PRECEDENTES. PROVIMENTO.

1. O faturamento do serviço de fornecimento de água com base na tarifa progressiva, de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo, é legítimo e atende ao interesse público, porquanto estimula o uso racional dos recursos hídricos. Interpretação dos arts. 4º, da Lei 6.528⁄78, e 13 da Lei 8.987⁄95.

2. "A política de tarifação dos serviços públicos concedidos, prevista na CF (art. 175), foi estabelecida pela Lei 8.987⁄95, com escalonamento na tarifação, de modo a pagar menos pelo serviço o consumidor com menor gasto, em nome da política das ações afirmativas, devidamente chanceladas pelo Judiciário (precedentes desta Corte)" (REsp 485.842⁄RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 24.5.2004).

3. Recurso especial provido, para se reconhecer a legalidade da cobrança do serviço defornecimento de água com base na tarifa progressiva e para julgar improcedente o pedido (REsp 861.661⁄RJ, Min. Denise Arruda, DJ de 10.12.2007).

TRIBUTÁRIO. COBRANÇA DE ÁGUA. TARIFA PROGRESSIVA. LEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO (AgRg no Ag 1084537⁄RJ, 1ª T., Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 18⁄02⁄2009).

ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO – TAXA DE ÁGUA – COBRANÇA DE TARIFA – PROGRESSIVIDADE – LEGALIDADE – PRECEDENTES.

1. É lícita a cobrança de tarifa de água, em valor correspondente ao consumo mínimo presumido mensal.

2. A Lei n. 8.987⁄95, que trata, especificamente, do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos autoriza a cobrança do serviço de fornecimento de água, de forma escalonada (tarifa progressiva), de acordo com o consumo. Cuida-se de norma especial que não destoa do art. 39, inciso I, do CDC que, em regra, proíbe ao fornecedor condicionar o fornecimento de produtos ou serviços a limites quantitativos. Tal vedação não é absoluta, pois o legislador, no mesmo dispositivo, afasta essa proibição quando houver justa causa.

Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 873.647⁄RJ, 2ª T., Min. Humberto Martins, DJ de 19.11.2007).

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE ÁGUA. TARIFA. COBRANÇA DE FORMA ESCALONADA. LEGALIDADE.

1. Consoante firme entendimento deste Superior Tribunal, a Lei nº 8.987⁄95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, em seu art. 13, autoriza a cobrança do serviço de fornecimento de água por meio de tarifa calculada de forma escalonada (tarifa progressiva) por faixas de consumo.

2. Recurso especial provido (REsp 776951⁄RJ, 2ª T., Min. Fernando Mathias, DJe de de29⁄05⁄2008).

A jurisprudência do Tribunal, no que concerne à tarifa de água, firmou seu entendimento com base na Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências), cujo art. 13 dispõe:

  Art. 13. As tarifas poderão ser diferenciadas em função das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento aos distintos segmentos de usuários.

Invoca-se, também, o art. 4º da LEI 6.528, de 11 de maio de 1978, que trata, especificamente, "sobre as tarifas dos serviços públicos de saneamento básico, e dá outras providências":

Art . 4º - A fixação tarifária levará em conta a viabilidade do equilíbrio econômico-financeiro das companhias estaduais de saneamento básico e a preservação dos aspectos sociais dos respectivos serviços, de forma a assegurar o adequado atendimento dos usuários de menor consumo, com base em tarifa mínima.

Essa Lei 6.528⁄78 foi revogada pela Lei 11.445, de 05 de janeiro de 2007, que, atualmente,"estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e para a política federal desaneamento básico" (art. 1º). A política de subsídios tarifários, da qual decorre inclusive apossibilidade de fixação de tarifas progressivas, foi expressamente reafirmada nos seguintesdispositivos:

Art. 29.  Os serviços públicos de saneamento básico terão a sustentabilidade econômico-financeira assegurada, sempre que possível, mediante remuneração pela cobrança dos serviços:

(...)

§ 2º  Poderão ser adotados subsídios tarifários e não tarifários para os usuários e localidades que não tenham capacidade de pagamento ou escala econômica suficiente para cobrir o custo integral dos serviços.

Art. 30.  Observado o disposto no art. 29 desta Lei, a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento básico poderá levar em consideração os seguintes fatores:

I - categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo;

II - padrões de uso ou de qualidade requeridos;

III - quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente;

IV - custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidadeadequadas;

V - ciclos significativos de aumento da demanda dos serviços, em períodos distintos; e

VI - capacidade de pagamento dos consumidores.

Art. 31.  Os subsídios necessários ao atendimento de usuários e localidades de baixa renda serão, dependendo das características dos beneficiários e da origem dos recursos:

I - diretos, quando destinados a usuários determinados, ou indiretos, quando destinados ao prestador dos serviços;

II - tarifários, quando integrarem a estrutura tarifária, ou fiscais, quando decorrerem da alocação de recursos orçamentários, inclusive por meio de subvenções;

III - internos a cada titular ou entre localidades, nas hipóteses de gestão associada e deprestação regional.

Não há como negar, assim, a legitimidade da fixação de tarifas por sistema progressivo. Merece reforma, portanto, no particular, o acórdão recorrido.

4.Quanto ao segundo ponto, subsiste o interesse recursal relativamente à prescrição pararestituição do indébito de tarifa de esgoto. O entendimento adotado pelo acórdão recorrido (nojulgamento dos embargos infringentes), é o de que se aplica ao caso o art. 27 do Código doConsumidor e não o art. 177 do Código Civil de 1916, pelas seguintes razões: (a) as partes darelação jurídica obrigacional "se amoldam aos conceitos de fornecedor e consumidor insculpidos nos art. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor" e o princípio "da especificidade (...) determina a aplicação das regras consumeristas – como normas de direito material que são - ao caso concreto" (fl. 1452); (b)  a “declaração de inexigibilidade da cobrança de parte do preço praticado (...) não “importa no reconhecimento do 'vício' ou 'defeito' do serviço de fornecimento de água ” (fl. 1457); trata-se, “ao revés, de questão que tem como origem remota a execução inadequada do contrato firmado pelas partes que resultou na cobrança, a maior, do valor devido” (fl. 1454), (...) o “que, em conseqüência, determina a aplicação do art. 27 do CDC” (fl. 1457).

Não há como chancelar esse entendimento. Dispõe o art. 27 da Lei 8.078⁄90 (CDC):

Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Esse dispositivo está relacionado com o do o art. 14 da mesma Lei, que, ao tratar daresponsabilidade pelo fato do serviço, estabelece o seguinte:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Ora, o que se tem presente no caso é uma pretensão de restituir tarifa de serviço paraindevidamente. Não se trata, pois, de ação de reparação de danos causados por defeitos naprestação de serviços. Não há como aplicar à hipótese, portanto, o prazo do referido art. 27 doCDC. Também não se pode supor aplicável o prazo quinquenal estabelecido no Código Tributário Nacional - CTN, para restituição de créditos tributários, eis que a tarifa (ou preço) não tem natureza tributária. Quanto a esse aspecto, há mais de um precedente da própria Seção (EResp 690.609, Min. Eliana Calmon, DJ 07⁄04⁄08; REsp 928.267, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 21⁄08⁄09). Não havendo norma específica a reger a hipótese, aplica-se o prazo prescricionalestabelecido pela regra geral do Código Civil, ou seja: de 20 anos, previsto no art. 177 do Código Civil de 1916 ou de 10 anos, previsto no art. 205 do Código Civil de 2002. Observar-se-á, na aplicação de um e outro, se for o caso, a regra de direito intertemporal estabelecida no art. 2.028 do Código Civil de 2002 ("Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada"). Na hipótese dos autos, a matéria de direito intertemporal não está em causa.

A solução aqui alvitrada já foi adotada em situação análoga pela 3ª Turma (REsp 1.032.952⁄SP, Min. Nancy Andrighi, DJe 26⁄03⁄2009, em acórdão assim ementado:

Consumidor e Processual. Ação de repetição de indébito. Cobrança indevida de valores.Inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 27 do CDC. Incidência das normas relativas a prescrição insculpidas no Código Civil. Repetição em dobro. Impossibilidade. Não configuração de má-fé.

- A incidência da regra de prescrição prevista no art. 27 do CDC tem como requisito essencial a formulação de pedido de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, o que não ocorreu na espécie.

- Ante à ausência de disposições no CDC acerca do prazo prescricional aplicável à prática comercial indevida de cobrança excessiva, é de rigor a aplicação das normas relativas a prescrição insculpidas no Código Civil.

- O pedido de repetição de cobrança excessiva que teve início ainda sob a égide do CC⁄16 exige um exame de direito intertemporal, a fim de aferir a incidência ou não da regra de transição prevista no art. 2.028 do CC⁄02.

- De acordo com este dispositivo, dois requisitos cumulativos devem estar presentes para viabilizar a incidência do prazo prescricional do CC⁄16: i) o prazo da lei anterior deve ter sido reduzido pelo CC⁄02; e ii) mais da metade do prazo estabelecido na lei revogada já deveria ter transcorrido no momento em que o CC⁄02 entrou em vigor, em 11 de janeiro de 2003.

- Na presente hipótese, quando o CC⁄02 entrou em vigor já havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional previsto na lei antiga, motivo pelo qual incide o prazo prescricional vintenário do CC⁄16.

- A jurisprudência das Turmas que compõem a Segunda Seção do STJ é firme no sentido de que a repetição em dobro do indébito, sanção  prevista  no  art.  42,  parágrafo  único, do CDC, pressupõe tanto a existência de pagamento indevido quanto a má-fé do credor.

- Não reconhecida a má-fé da recorrida pelo Tribunal de origem, impõe-se que seja mantido o afastamento da referida sanção, sendo certo, ademais, que uma nova perquirição a respeito da existência ou não de má-fé da recorrida exigiria o reexame fático-probatório, inviável em recurso especial, nos termos da Súmula 07⁄STJ.

Em seu voto de relatora, a Min. Nancy Andrighi sustentou o seguinte:

Cinge-se a controvérsia deduzida no presente recurso especial em determinar: i) se o prazo prescricional do art. 27 do CDC é ou não aplicável na hipótese em que consumidor pleiteia a restituição de valores cobrados indevidamente por fornecedor de serviços, (...).

I - Da não incidência do prazo prescricional do art. 27 do CDC.

O TJ⁄SP, considerando que o art. 27 do CDC seria aplicável à presente hipótese, entendeu que a restituição de valores pleiteada pelo recorrente somente poderia alcançar os cinco anos que antecederam a propositura desta ação.

Ocorre, todavia, que não se configura aqui a pretensão de reparação de danos causados por fato do produto ou do serviço, requisito essencial para a incidência a regra de prescrição prevista no art. 27 do CDC.

O que se tem em discussão é a cobrança de valores indevidos por parte do fornecedor,circunstância esta que, inequivocamente, não se insere no âmbito de aplicação da mencionada regra específica na legislação consumerista.

Logo, ante à ausência de disposições no CDC acerca do prazo prescricional aplicável à prática comercial indevida de cobrança excessiva, é de rigor a aplicação das normas relativas a prescrição insculpidas no Código Civil.

Esta conclusão, inclusive, já foi adotada por esta Terceira Turma nos seguintes julgados que decidiram controvérsia similar a respeito do prazo prescricional aplicável em ações de repetição de valores ajuizadas em defesa de consumidores:

"Direito do consumidor e processo civil. Recurso especial. Ação coletiva. Entidade associativa de defesa dos consumidores. Legitimidade. Possibilidade jurídica do pedido. Direitos individuais homogêneos. Cerceamento de defesa. Concessionárias de veículos e administradora de consórcio. Cobrança a maior dos valores referentes ao frete na venda de veículos novos. Restituição.(...)

- A pretensão condenatória de serem restituídos valores pagos indevidamente comporta a aplicação do prazo prescricional previsto no art. 205 do CC⁄02, ante a incidência da regra de transição do art. 2.028 do CC⁄02.(...)

Recursos especiais não conhecidos."

(REsp 761.114⁄RS, de minha relatoria,DJ de 14.08.2006)

"Ação civil pública. Direitos individuais homogêneos. Cobrança de taxas indevidas. (...)Prescrição. (...)

1. O PROCON - Coordenadoria de Proteção e Defesa do Consumidor, por meio da Procuradoria Geral do Estado, tem legitimidade ativa para ajuizar ação coletiva em defesa de interesses individuais homogêneos, assim considerados aqueles direitos com origem comum, divisíveis na sua extensão, variáveis individualmente, com relação ao dano ou à responsabilidade. São direitos ou interesses individuais que se identificam em função da origem comum, a recomendar a defesa coletiva, isto é, a defesa de todos os que estão presos pela mesma origem. (...)

2. A prescrição é vintenária, na linha de precedentes da Terceira Turma, porque não alcançada a questão pelo art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.(...)"

(REsp 200.827⁄SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 09.12.2002)

Portanto, impõe-se a reforma do acórdão recorrido quanto ao ponto a fim de, afastando a aplicação da regra do art. 27 do CDC, fazer incidir as disposições da legislação civil geral na espécie.

II - Da definição do prazo prescricional aplicável na espécie.

A análise da prescrição na presente hipótese, em que se verifica a pretensão de repetição de cobrança excessiva que teve início ainda sob a égide do CC⁄16, demanda um exame de direito intertemporal, a fim de aferir a incidência ou não da regra de transição prevista no art. 2.028 do CC⁄02.

De acordo com este dispositivo, dois requisitos cumulativos devem estar presentes paraviabilizar a incidência do prazo prescricional do CC⁄16: i) o prazo da lei anterior deve ter sido reduzido pelo CC⁄02; e ii) mais da metade do prazo estabelecido na lei revogada já deveria ter transcorrido no momento em que o Novo Código entrou em vigor, em 11 de janeiro de 2003.

Inicialmente, verifica-se que a redução no lapso prescricional de fato ocorreu. Sob a égide do CC⁄16, era de 20 (vinte) anos o prazo as ações pessoais, ao passo que, de acordo com o  art. 206, § 3º, IV, do CC⁄02, o prazo prescricional para o exercício da pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa passou a ser de 3 (três) anos.

Quanto ao transcurso de mais da metade do prazo estabelecido na lei revogada, constata-se que quando o Novo Código entrou em vigor já havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional previsto na lei antiga, considerando como parâmetro para tal aferição o fato de o pedido formulado na inicial se direcionar à repetição de valores indevidamente pagos desde 20⁄02⁄1970.

Logo, impõe-se a aplicação na espécie do prazo prescricional vintenário do CC⁄16, motivo pelo qual, diante da circunstância de tratar-se de obrigação de trato sucessivo, a prescrição somente atingirá a pretensão de repetição das parcelas pagas antes de 20 de abril de 1985.

Destaco, também, excerto do voto-vista proferido pelo Min. Ari Pargendler, afastando oenquadramento da cobrança excessiva no conceito de fato do serviço de que trata o art. 27 doCDC:

2. O tribunal a quo decidiu a causa no pressuposto de que Alberto Gonçalves de Moura, sócio de Cruz Azul de São Paulo, recolheu, em folha de pagamento, para essa instituição, durante mais de 30 (trinta) anos quantias que seriam devidas pelo filho, que dela nunca foi sócio. Se assim é, não se está diante de uma relação de consumo, nem de qualquer outra relação contratual. A repetição do indébito só se justifica porque inexistiu relação alguma que justificasse os pagamentos. Consequentemente, a norma do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor não pode, à míngua de seu suporte fático, ser  aplicada, nem a do art. 42, parágrafo único.

No caso dos autos, a situação é semelhante: trata-se de pretensão à devolução de valoresindevidamente cobrados por serviços de esgoto que, consoante o acórdão, não foram prestados pela concessionária. A demanda foi ajuizada em 25⁄04⁄2002, objetivando o ressarcimento de valores recolhidos nos últimos vinte anos. Desse modo, adotados os fundamentos do precedente citado, deve ser restabelecido, quanto à prescrição, o acórdão de fls. 1393⁄1398.

5.Diante do exposto, (a) conheço parcialmente do recurso especial da CEDAE para, nesta parte, dar-lhe provimento; (b) conheço do recurso especial de Casas Sendas Comércio e Indústria S⁄A e dou-lhe provimento, tudo nos termos da fundamentação. Considerando tratar-se de recurso submetido ao regime do art. 543-C, determina-se a expedição de ofício, com cópia do acórdão, devidamente publicado:

(a) aos Tribunais de Justiça e aos Tribunais Regionais Federais (art. 6º da Resolução STJ 08⁄08), para cumprimento do § 7º do art. 543-C do CPC;

(b) à Presidência do STJ, para os fins previstos no art. 5º, II da Resolução STJ 08⁄08;

(c) à Comissão de Jurisprudência do STJ, com sugestão para instaurar procedimento deaprovação de duas súmulas, nos seguintes termos: "É legítima a cobrança de tarifa de águafixada por sistema progressivo"; e "A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgotosujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil".

É o voto.

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