sexta-feira, 25 de setembro de 2009

STJ – Tributário. Energia elétrica. O fato gerador do ICMS é o efetivo consumo e não a simples contratação da demanda

 

EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 960.476 - SC (2007⁄0136295-0)

RELATOR: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ICMS SOBRE DEMANDA DE ENERGIA ELÉTRICA. ACÓRDÃO QUE DEIXOU CLARAMENTE ESTABELECIDO QUE O FATO GERADOR É O EFETIVO CONSUMO (E NÃO A SIMPLES CONTRATAÇÃO DA DEMANDA) E QUE A BASE DE CÁLCULO É O VALOR DA TARIFA CORRESPONDENTE AESSA DEMANDA CONSUMIDA (E NÃO SOBRE A CONTRATADA). IMPERTINÊNCIA DA DISCUSSÃO A RESPEITO DOS CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DE TARIFAS, QUE, ALÉM DE ESTRANHOS AO OBJETO DO PROCESSO, ESTÃO PREVISTOS NO SISTEMA TARIFÁRIO NACIONAL, CUJA FONTE, PORTANTO, É NORMATIVA E NÃO CONTRATUAL.INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER DOS VÍCIOS DO ART. 535 DO CPC. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencida em parte a Sra. Ministra Denise Arruda, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Brasília, 24 de junho de 2009.

MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI

Relator

 

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI:

Trata-se de embargos de declaração (fls. 702-710) opostos contra acórdão cuja ementa é aseguinte:

TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA DE POTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE EM DEMANDA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA. INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE NA DEMANDA DE POTÊNCIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE UTILIZADA.

1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810⁄MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que "o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos", razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica,"a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria". Afirma-se, assim, que "o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa".

2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que "não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência". Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor.

3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456⁄2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.

4. No caso, o pedido deve ser acolhido em parte, para reconhecer indevida a incidência do ICMS sobre o valor correspondente à  demanda de potência elétrica contratada mas não utilizada.

5. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08⁄08 (fl. 665).

Sustenta a embargante, em suma, que houve obscuridade, porquanto o acórdão embargadoparece contrariar a jurisprudência até então pacificada do STJ, no sentido de que o ICMSsomente poderá incidir sobre o valor correspondente à energia efetivamente consumida. Assim,entende não esclarecidos os seguintes pontos: (a) "se a Corte manteve o entendimento anteriorde que o ICMS somente incide sobre a parcela da tarifa binomial correspondente à totalidade daenergia elétrica ou se modificou tal jurisprudência para acrescentar à base de cálculo do ICMSoutra parcela (...) e, em caso afirmativo, qual parcela seria esta" (fl. 706); (b) qual a base decálculo a ser utilizada, se a demanda medida máxima ou a média de cada mês; e (c) qual valor aser atribuído à demanda de potência medida (máxima ou média), para efeito de ICMS, quandoesta for menor do que a demanda contratada.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI (Relator):

1.Não há qualquer obscuridade no acórdão embargado. O acórdão embargado enfrentou edecidiu, clara e motivadamente, todos os pontos relacionados com a controvérsia. Eis como essa controvérsia foi colocada na petição inicial:

Observe-se que o contrato de fornecimento de energia elétrica firmado entre a impetrante e a CELESC somente vem a garantir uma demanda de energia elétrica, conforme supra descrito, não promovendo alterações na situação fática da energia realmente gasta, sobre a qual deva incidir o ICMS, uma vez que é ilegal e inconstitucional cobrar pelo que não foi gasto, ou seja, sobre a quantia de demanda não utilizada, mas colocada à disposição. Entretanto, é o que vem ocorrendo.

Ora, a mera formalização de contrato não caracteriza a circulação de mercadoria. O fato gerador do ICMS não se configura com o simples contrato, é necessário a efetiva circulação física ou econômica da mercadoria (energia elétrica), em termos de seu real consumo. O valor da operação é a base de cálculo do ICMs, então, o valor da operação corresponde ao que é entregue ao consumidor, que é a energia elétrica efetivamente consumida.

Não é a mera disponibilidade de energia ao consumidor que representa a hipótese de incidência do ICMS. O entendimento do que seja 'efetivamente consumida' deve ser a da energia elétrica que sai da linha de transmissão e entra no estabelecimento empresarial para sua utilização e consumo. (fls. 05)

2.Como se percebe, a controvérsia central diz respeito ao fato gerador do ICMS sobre energia elétrica: se a demanda de energia elétrica simplesmente contratada ou se demanda efetivamente utilizada. Segundo a petição inicial, "é ilegal e inconstitucional cobrar (...) sobre a quantia da demanda não utilizada".

Sobre essa questão, reiterando a jurisprudência pacificada no STJ, o acórdão afirmouclaramente o seguinte (itens 1 e 2 da ementa):

1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810⁄MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que "o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos", razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica,"a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria". Afirma-se, assim, que "o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue aoconsumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa".

2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que "não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência". Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor. (fls. 665)

No voto, essas conclusões foram justificadas a partir de duas premissas, também devidamente justificadas, a saber:

3.Premissa (I) que justifica a jurisprudência: para efeito de ICMS, energia elétrica é mercadoria, e não serviço. (item 3 do voto - fls. 667⁄668)

4.Premissa (II) que também justifica a jurisprudência: a energia elétrica só é gerada e só circula quando há consumo. (item 4 do voto - fls. 668⁄669)

Com base nessas premissas, foi estabelecida a seguinte conclusão:

Correta, portanto, repita-se, a jurisprudência firmada no STJ no sentido de que  "O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa"; "Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência. (fls. 669)

Reproduziu-se inclusive a insuspeita manifestação da própria Confederação Nacional daIndústria - CNI, na sua condição de amicus curiae, nos seguintes termos:

Anoto que essa conclusão guarda consonância com a manifestação da Confederação Nacional da Indústria - CNI, como amicus curiae, a fls. 604:

"A demanda contratada pelo grande consumidor de energia com a distribuidora de energia elétrica só é fato gerador do tributo em questão na medida em que o consumidor faz uso dessa energia, pois é só nessa medida que tem lugar a transferência, pressuposto do tributo sub examen.

Quando um consumidor  industrial reserva uma certa quantidade de potência energética com a distribuidora e não chega a consumir toda essa monta, observa-se que, em relação à diferença, não ocorreu a condição necessária e suficiente para o nascimento da obrigação tributária. (fls. 677)

Os votos que acompanharam o relator também foram claros e explícitos:

"A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA (Relatora): Em julgamentos proferidos pela Primeira Turma⁄STJ, já acompanhei voto proferido pelo Ministro Teori Albino Zavascki, sustentando que o fato gerador do ICMS é a demanda efetivamente consumida, e não a contratada" (fls. 687).

"O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Discute-se a incidência do ICMS sobre fornecimento de energia elétrica, considerando a existência de demanda contratada, também conhecida por reserva de demanda ou demanda garantida.

(...)

A questão ganha relevo quando o adquirente da energia utiliza apenas parcela do valor total contratado, ou seja, quando o consumo é menor que a demanda garantida.

(...)

A contratação da demanda é objeto de negócio jurídico importante para a integridade do sistema elétrico e para as atividades empresariais. Isso não significa, porém, que a incidência estadual poderá alcançar a totalidade do contrato. Trata-se de garantia de fornecimento que, por isso mesmo, não se confunde com a efetiva entrega da mercadoria e, portanto, com a circulação tributável pelo Estado.

Importante salientar que não se afasta a tributação do ICMS sobre toda a demanda contratada, mas apenas sobre a parcela não consumida pelo interessado" (fls. 691⁄692).

"O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES:

Sr. Presidente, concordo com a delimitação feita para fixação da abrangência do fato gerador apresentada no voto do eminente Ministro Relator. Entendo que não estamos confundindo a situação de política tarifária, como foi dito anteriormente, com a delimitação do fato gerador". (fls. 693)

"EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON:

(...)

A lei determina o fato gerador, que é a circulação da mercadoria. Se energia é mercadoria, só pode ser sobre aquilo que circula. O que não circula pode ser contratado, e é o valor do contrato, mas não é ICMS. Pode ser qualquer coisa, mas não pode ser ICMS" (fls. 694).

Já os votos vencidos foram igualmente claros, no sentido de que simples contratação dademanda de energia elétrica constitui fato gerador do ICMS. São elucidativas, no particular, asseguintes passagens:

"EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA:

(...)

Como a energia elétrica é tratada como bem móvel por ficção legal, torna-se compreensível que a entrega da mercadoria no ponto de conexão seja adotado como critério decisivo de imputação temporal da operação tributável que, assim, se considerará ocorrida nesse instante.

Sob esse prisma, a simples colocação da energia elétrica à disposição do consumidor no ponto de entrega já é suficiente para aperfeiçoar o fato gerador do imposto.

(...)

Nesses termos, a destinação dada à potência contratada, seja ela efetivamente utilizada ou não, é circunstância irrelevante para a incidência do ICMS.

Dá-se a circulação do bem quando disponibilizada a energia no ponto de entrega indicado no contrato de fornecimento. A partir desse momento, pode-se dizer que a empresa fornecedora já não detém titularidade sobre a demanda contratada.

Assim, o fato de não ter sido consumida a energia não desfigura a operação de circulação, já que, colocada à disposição do consumidor, nenhum outro usuário poderá consumi-la.

(...)

Em outras palavras, o consumidor está pagando para garantir a energia que consome ou para dispor, quando bem lhe aprouver, de demanda de energia colada à sua disposição" (fls. 680⁄6).

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS:

A controvérsia restringe-se à não-incidência de ICMS sobre a demanda contratada de energia elétrica, quando não consumida. Somente incide o ICMS sobre a demanda efetivamente consumida, e não sobre a contratada, pois o fato gerador da obrigação é a energia elétrica consumida; se não ocorrer o consumo, não há porque incidir a obrigação da cobrança do tributo. Esse entendimento está pacificado nas duas Turmas, inclusive na Primeira Seção

(...)

Todavia, diante do voto-vista do Min. Castro Meira - proferido no recurso em mandado de segurança 21.748 - passei a manifestar meu entendimento no sentido de que deve incidir o ICMS na operação de energia elétrica conhecida como "demanda contratada".

De fato, a própria agência reguladora do sistema elétrico entende que a responsabilidade da distribuidora vai até a disponibilização da energia elétrica no ponto de conexão do sistema elétrico. A partir daí, se a energia será ou não consumida, não interessa para a incidência do ICMS.

O importante é que a energia foi disponibilizada ao consumidor, e que esta mesma energia não retorna ao poder da distribuidora, tampouco poderá ela ser vendida a terceiros, ou seja, a transferência da mercadoria esgotou-se no momento em que foi colocada à disposição no ponto de conexão.

Desta forma, se a empresa reservou energia perante a distribuidora de energia elétrica, deverá pagar ICMS, tendo como base de cálculo toda esta "reserva contratada", independente ou não de tê-la utilizado" (fls. 688⁄690).

3.Enfatiza-se, portanto, que não há qualquer dúvida ou obscuridade a ser sanada. Os embargos de declaração, na verdade, não tratam da questão jurídica posta na demanda, que, conforme explicitado, diz respeito ao fato gerador. O que neles se questiona é tema relacionado com a base de cálculo. Também essa matéria foi clara e explicitamente enfrentada, conforme se constata da própria ementa do acórdão embargado:

"3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456⁄2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada." (fls.665)

Essa conclusão, além de estar claramente explicitada, foi justificada amplamente no voto,constituindo decorrência lógica e natural da própria definição do fato gerador: se o fato gerador é a demanda de energia elétrica efetivamente utilizada, a base de cálculo é o preço que foi pagopor esse consumo. Fez-se, inclusive, longa explanação sobre o modo como a tarifa de energia éestabelecida pelo sistema tarifário vigente em nosso País, inclusive no que se refere aosconsumidores do Grupo A (fls. 669-674), ficando claro que a tarifa de energia elétrica é fixadapor atos normativos (especialmente o Decreto 62.724⁄89, que "estabelece normas gerais detarifação para as empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica") e não por contrato, normas essas cuja legitimidade ou constitucionalidade jamais foram postas em dúvida. Esclareceu-se que, por força desse sistema normativo, a tarifa de energia dos grandesconsumidores (Grupo A) é fixada por critérios especiais. Para esses consumidores,

(...) o valor da tarifa mensal leva em consideração, como já se disse, não apenas a quantidade de kWh consumida no período de faturamento, mas também o modo como esse consumo ocorreu nesse período. Nesse caso, o valor unitário de cada kW consumido leva em conta dois elementos (daí denominar-se tarifa binômia), a saber: (a) um de valor unitário fixo, que é multiplicado pela quantidade de kWh consumida no período, e outro (b) de valor unitário variável, fixado de acordo com as condições de utilização da demanda de potência elétrica no período de faturamento, para o que se considera, entre outros fatores, (b.1) o horário do dia emque o consumo se deu (nos horários de ponta a energia é mais cara; de madrugada é mais barata), (b.2) o dia da semana em que ocorreu o consumo (nos dias úteis é mais cara; nos domingos e feriados é mais barata), (b.3) a época do ano em que a energia é consumida (em época de seca é mais cara; em período úmido é mais barata), e assim por diante. A especificação desses elementos de cálculo constam dos artigos 49 a 52 da Resolução ANEEL 456⁄2000.

As questões relacionadas com o modo de fixar a tarifa para os consumidores do Grupo A,portanto, nada tem a ver com "demanda contratada" ou com o fato gerador do ICMS. Como bemobservou o Ministro Mauro Campbell Marques, não se pode confundir política tarifária com fato gerador do ICMS. O sistema tarifário tem natureza normativa e não contratual. A tarifa é fixada por normas expedidas por autoridades federais, razão pela qual não pode ser objeto de disposição por contrato e muito menos por legislação tributária estadual. É a norma, e não o contrato, que define o valor e o modo de calcular o preço da demanda de energia elétrica consumida. O que aqui se decidiu - e se reafirma - é que o fato gerador do ICMS é o efetivo consumo (e não a simples contratação da demanda de energia elétrica) e que a base de cálculo não é o preço da demanda de energia contratada, mas sim o preço correspondente a essa demanda efetivamente utilizada, preço esse que é determinado, não pelo contrato, mas pelas normas que definem a política tarifária.

Esclareça-se por fim que, por imposição normativa do sistema tarifário, as faturas de energia elétrica mensalmente enviadas aos consumidores devem discriminar não apenas a demanda de energia elétrica contratada, mas também a efetivamente utilizada, razão pela qual o consumo é monitorado e medido por aparelhagem adequada. Isso permite fazer, na prática, a distinção entre uma e outra. No caso concreto, as faturas juntadas na inicial trazem claramente essa discriminação (fls. 24 a 27). O Estado fez incidir ICMS sobre a tarifa cobrada pelo total da demanda contratada. O que aqui ficou decidido, repita-se, é que ele deve incidir apenas sobre a tarifa correspondente à demanda utilizada, assim considerada a efetivamente medida no período de faturamento, devendo, portanto, ser restituída à autora a parcela cobrada a maior.

4. Diante do exposto, rejeito os embargos de declaração. É o voto.

 

VOTO VENCIDO

A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA:

Trata-se de embargos de declaração (fls. 702⁄709) opostos contra acórdão sintetizado na seguinte ementa:

"TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA DE POTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE EM DEMANDA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA.INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE NA DEMANDA DE POTÊNCIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE UTILIZADA.

1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810⁄MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que 'o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos', razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda depotência elétrica, 'a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria'. Afirma-se, assim, que 'o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado noestabelecimento da empresa'

2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que 'não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência'. Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor.

3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456⁄2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.

4. No caso, o pedido deve ser acolhido em parte, para reconhecer indevida a incidência do ICMS sobre o valor correspondente à  demanda de potência elétrica contratada mas não utilizada.

5. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08⁄08."

(fl. 697)

A embargante sustenta, em síntese, que o acórdão atacado contém as seguintes obscuridades:

1) a jurisprudência anterior "era no sentido de que a base de cálculo do ICMS abrangia apenas o valor da energia consumida, com exclusão de qualquer outro valor", e o voto condutor "parece" admitir a incidência do ICMS sobre outras parcelas;

2) considerando que a "demanda de potência máxima pode espelhar um instante absolutamente isolado de sobrecarga do sistema (....), não é razoável adotá-la como o fator a ser considerado para a apuração da base de cálculo do ICMS de todo o mês em questão";

3) sendo a demanda medida inferior à demanda contratada, subsiste tão-somente a tarifa decorrente do contrato de demanda, e o ICMS não pode incidir sobre o valor integral de tal tarifa, sob pena de se inviabilizar "a implementação da decisão tomada por esta Corte".

Requer sejam sanados os vícios apontados.

Em Sessão Ordinária realizada em 24 de junho de 2009, a Primeira Seção⁄STJ, aderindo aos fundamentos trazidos pelo Ministro Relator, rejeitou os presentes embargos, entendendo que não há dúvida ou obscuridade a ser sanada, porquanto foi consignado no acórdão embargado que, "para efeito de base de cálculo do ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida".

Não obstante o respeito que tributo aos eminentes Ministros que compõem a Primeira Seção⁄STJ, ousei divergir da douta maioria.

Embora tenha acompanhado o Ministro Teori Albino Zavascki no julgamento do recurso especial, posteriormente, analisando melhor o tema, entendi que, considerando que o fato gerador do ICMS, nas operações envolvendo fornecimento de energia elétrica, é o consumo, somente o consumo é que dará margem à base de cálculo do tributo, de modo que não se pode agregar a tal base de cálculo a tarifa decorrente da demanda medida.

Nesse contexto, é de se considerar que, eventualmente, a tarifa decorrente da demanda ("demanda medida") não corresponde à energia elétrica efetivamente consumida, motivo pelo qual não pode integrar a base de cálculo do ICMS. Apenas a tarifa decorrente do consumo (expressa em Kwh) integra a base de cálculo do tributo. Ressalte-se que a orientação desta Corte, desde o julgamento do REsp 222.810⁄MT (1ª Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Rel. p⁄ acórdão Min. José Delgado, DJ de 15.5.2000), firmou-se no sentido de que "a garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado".

Por tais razões, com renovada vênia, votei no sentido de acolher os presentes embargos de declaração, para afastar da base de cálculo do ICMS o valor correspondente à demanda medida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário