sexta-feira, 25 de setembro de 2009

STJ - Tributário - ICMS - Energia elétrica. Fato gerador demanda utilizada e não a reservada

RECURSO ESPECIAL Nº 343.952 - MG (2001⁄0101815-4)

RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON

EMENTA

TRIBUTÁRIO - ICMS - ENERGIA ELÉTRICA: DEMANDA RESERVADA - FATO GERADOR ART. 116. II. DO CTN).

  1. A aquisição de energia elétrica para reserva, formalizada por contrato, não induz à transferência do bem adquirido, porque não se dá a tradição.
  2. Somente com a saída do bem adquirido do estabelecimento produtor e o ingresso no estabelecimento adquirente é que ocorre o fato gerador do ICMS (art. 19 Convênio 66⁄88) e art. 166. II. do CTN.
  3. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos este autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Franciulli Netto, LauritaVaz, Paulo Medina e Francisco Peçanha Martins.

Brasília-DF, 05 de fevereiro de 2002 (Data do Julgamento)

Ministra Eliana Calmon

Presidente e Relatora

 

RELATÓRIO

EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON:

CENIBRA - CELULOSE NIPO-BRASILEIRA S⁄A impetrou mandado de segurança contra ato do Superintendente da Receita Estadual de Minas Gerais, visando desobrigar-se do recolhimento doICMS incidente sobre demanda reservada de energia elétrica, conforme contrato firmado com aCEMIG.

Defendeu a empresa a tese de que a exigência fiscal apenas poderia referir-se ao efetivo consumo do bem contratado, por se tratar de Imposto sobre Circulação de Mercadorias, não se enquadrando no conceito de fato gerador o excedente de energia pago, mas não utilizado.

A sentença denegou a segurança, posição que foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, surgindo, assim, o presente especial, com fulcro na letra "c" do permissivo constitucional, onde busca a recorrente caracterizar dissídio jurisprudencial com acórdão desta Corte, da lavra do Min. José Delgado.

Após as contra-razões. subiram os autos.

Relatei.

 

VOTO

EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA):

O acórdão paradigma encerra hipótese absolutamente idêntica à presente, estando a decisão recorrida em divergência com o julgado trazido à colação. Vejamos os aspectos fáticos que dão suporte à controvérsia:

A empresa, no desenvolvimento de suas atividades, utiliza-se intensamente de energia elétrica.

E, para não ser surpreendida com o risco de insuficiência de energia, celebrou com a CEMIG contrato pelo qual adquire antecipadamente energia para reserva, a preço diferenciado, porque paga pela simples disponibilidade e não pelo efetivo consumo.

Ocorre que o Fisco Estadual está a exigir da empresa o pagamento do ICMS sobre o valor pago pela DEMANDA RESERVADA.

A segurança foi denegada no primeiro grau de jurisdição, por entender o julgador que a CEMIG, ao disponibilizar a energia para a empresa, perdia a titularidade pela transferência, ocorrendo o fato gerador do ICMS.

O TJ⁄MG confirmou a sentença, argumentando ser inquestionável que o ICMS incide sobre a venda de energia elétrica, sendo a base de cálculo do tributo o preço total do fornecimento pago pelo consumidor.

O acórdão paradigma surgiu do REsp 222.810⁄MG, julgado no dia 14⁄03⁄2000, quando ficou vencido o Ministro Milton Luiz Pereira, sendo designado para lavrar o acórdão o Ministro José Delgado.

O relator originário desenvolveu o raciocínio de que o contrato de compra e venda de energia elétrica entre a empresa e a CEMIG por si só caracteriza circulação de mercadoria e, com ela, a incidência doICMS.

A divergência foi inaugurada pelo Ministro José Delgado, que situou a questão à luz do art. 116. II. do CTN. abstraindo o contrato, por estar o fato gerador do ICMS inserido em situação jurídica contratual.

Para o relator designado, o fato gerador do ICMS só se consolidou no momento em que a energia saiu da fornecedora, circulou e entrou no estabelecimento do consumidor.

Em longo e judicioso voto. analisa e esquadrinha o fato gerador do ICMS, interpretando o disposto no Convênio 66⁄88.

Invocando o art. 19 do referido Convênio, que define a base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica, conclui pela não-incidência do imposto, visto ser ele bem preciso ao prever:

A base de cálculo do imposto devido pelas empresas distribuidoras de energia elétrica, responsáveis pelo pagamento do imposto relativamente a operações anteriores e posteriores, na condição de substitutos, é o valor da operação da qual decorra a entrega do produto ao consumidor.

Na espécie, a empresa compradora. ora recorrente, não recebe a energia da reserva. Apenas paga para mantê-la reservada.

Como o ICMS só incide sobre a mercadoria transferida, naturalmente que não incide imposto sobre o que não circulou e não se transferiu.

Lembro, por oportuno, e a propósito do voto do Ministro Milton Luiz Pereira, que no Direito brasileiro o contrato não tem a força suficiente para transferir a propriedade, o que só ocorre com a tradição para os bens móveis, e a transcrição para os bens imóveis.

Na RESERVA DE DEMANDA não ocorre a tradição da energia e, como tal, não se há de falar emICMS.

Assim sendo, dou provimento ao recurso especial para julgar procedente a ação e conceder a segurança.

É o voto.

 

VOTO

O SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO:

Sra. Ministra-Presidente, ouvi com atenção e voto exatamente no mesmo sentido, dando provimento ao recurso especial, porque entendo que a hipótese de incidência não pode ser a contratada, mas sim a energia realmente consumida.

VOTO-VISTA

EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS:

Pedi vista dos autos para melhor examinar a questão relativa à incidência ou não de ICMS sobre energia elétrica reservada, matéria nova. A ilustre Min. Relatora, confrontando os acórdãos divergentes, situou, com precisão a questão, decidindo-a com primorosa síntese.

É que o contrato, no direito brasileiro, por si só, não transfere a propriedade, impondo-se a transcrição do título, em se tratando de imóveis, e a tradição, para os móveis. A simples reserva de energia não implica na sua circulação para a usuária. Só com o efetivo consumo é que se transmite a energia, configurando o fato gerador do ICMS.

Acompanho o voto da ilustre Ministra Relatora conhecendo do recurso e deferindo a segurança.

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