quarta-feira, 30 de setembro de 2009

STJ - Direito de família e das sucessões. Ação de reconhecimento de sociedade de fato. Legitimidade passiva do espólio

RECURSO ESPECIAL Nº 1.080.614 - SP (2008⁄0176494-3)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

EMENTA

Direito de família e das sucessões. Ação de reconhecimento de sociedade de fato, proposta por ex-companheiro do "de cujus" em face do espólio. Alegação, por este, de sua ilegitimidade passiva, porquanto a ação deveria ser proposta em face dos herdeiros. Afastamento da alegação, pelo TJ⁄SP, sob o fundamento de que a legitimidade seria do espólio, facultado aosherdeiros ingressar no processo, como litisconsortes facultativos. Acórdão mantido.

- O art. 12 do CPC atribui ao espólio capacidade processual, tanto ativa, como passiva, de modo é em face dele que devem ser propostas as ações que originariamente se dirigiriam contra o "de cujus".

- O princípio da "saisine", segundo o qual a herança se transfere imediatamente aos herdeiros com o falecimento do titular do patrimônio, destina-se a evitar que a herança permaneça em estado de jacência até sua distribuição aos herdeiros, não influindo na capacidade processual do espólio. Antes da partilha, todo o patrimônio permanece em situação de indivisibilidade, a que a lei atribui natureza de bem imóvel (art. 79, II, do CC⁄16). Esse condomínio, consubstanciado no espólio, é representado pelo inventariante.

Recurso especial improvido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Massami Uyeda e Sidnei Beneti.

Brasília (DF), 1º de setembro de 2009(Data do Julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI, Relatora

 

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por S.H. - Espólio para impugnação de acórdão exarado pelo TJ⁄SP no julgamento de recurso de agravo de instrumento.

Ação: de reconhecimento de dissolução de sociedade de fato, proposta por W. D. de O. em face do Espólio de S.H. Ao contestar o pedido, o Espólio alegou ilegitimidade de parte, com fundamento em que o art. 1.572 do CC⁄16 dispunha que "aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". Para o recorrente, portanto, a legitimidade para figurar no pólo passivo da ação seria dos herdeiros, não do espólio.

Decisão: de saneamento do processo, afastando a ilegitimidade alegada, sob o fundamento de que "enquanto não concluída a partilha, o espólio é representado pela inventariante, sem prejuízo do ingresso dos demais herdeiros".

Agravo de instrumento: interposto pelo Espólio.

Acórdão: negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:

"UNIÃO ESTÁVEL. Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato 'post mortem' cumulada com partilha de bens em face do espólio - Rejeição da preliminar de ilegitimidade de parte passiva - Partilha ainda não efetivada nos autos do inventário - Hipótese em que oespólio se legitima para responder aos atos e termos da ação proposta - Herdeiros que poderão ingressar nos autos como litisconsortes facultativos - Decisão mantida - Agravo improvido."

Embargos de declaração: opostos, foram parcialmente acolhidos, unicamente para o fim de rejeitar o pedido de aplicação de pena por litigância de má-fé.

Recurso especial: interposto com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional. Alega-se violação aos arts. 267, VI, do CPC, bem como aos arts. 1.577, 1.572 e 1.580, do CC⁄16.

Admissibilidade: O recurso foi admitido na origem, motivando a interposição do Ag 1.026.950⁄SP, a que dei provimento para melhor apreciação da controvérsia.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I - Delimitação da lide

Cinge-se a lide a estabelecer se o espólio é parte legítima para figurar no pólo passivo de ação de reconhecimento e dissolução de união estável, proposta pelo alegado ex-companheiro do de cujus.

II - O recurso quanto à violação

O recorrente alega que foram violados, pelo TJ⁄SP, os arts. 267, VI, do CPC, bem como os arts. 1.572, 1577 e 1.580 do CC⁄16, vigente à época da abertura da sucessão. Os arts. 1.577 e 1.580, todavia, não têm pertinência para a causa. Com efeito, não há controvérsia, nos autos, nem acerca da a capacidade para suceder no tempo da abertura da sucessão (art. 1.577), nem  a respeito da indivisibilidade dos bens (art. 1.580). A discussão, aqui, diz respeito apenas à legitimidade passiva dos herdeiros ou do espólio neste processo, de modo que apenas os arts. 267, VI, do CPC e 1577 do CC⁄16 têm relevância para a causa.

É cediço que o espólio tem capacidade processual, tanto ativa, quanto passiva. O próprio art. 12 do CPC indica isso, ao dizer, em seu inciso V, que o espólio, em juízo, é representado pelo inventariante. Dessa norma decorre que, em regra, as ações que originariamente teriam de ser propostas contra o de cujus devem, após seu falecimento, ser proposta em face do espólio, de modo que a eventual condenação possa ser abatida do valor do patrimônio a ser inventariado e partilhado.

Tal regra pode comportar exceções, desde que expressamente dispostas em lei. O art. 363 do CC⁄16, ao tratar de ações investigatórias de paternidade, dispunha que "os filhos ilegítimos (...)têm ação contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da filiação". A discussão sobre a legitimidade passiva do espólio em tais hipóteses foi trazida ao judiciário, tendo o TJ⁄AL decidido que "na ação de investigação de paternidade 'post mortem', partes legítimas passivas são os herdeiros e não o espólio', em acórdão confirmado pelo STJ no julgamento do REsp 331.842⁄AL (Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, 3ª Turma, DJ de 10⁄6⁄2002), sem, contudo, pronunciamento expresso quanto à legitimidade do espólio.

Independentemente desse julgamento, porém, a hipótese dos autos é de ação pleiteando o reconhecimento de sociedade de fato, e não de investigação de paternidade. Assim, não há exceção à regra geral quanto à legitimidade. O espólio pode figurar no pólo passivo da relação processual. Cada um dos herdeiros pode, querendo, pleitear seu ingresso no processo, mas não há ilegitimidade do espólio ou litisconsórcio unitário.

É importante observar que essa conclusão não é obstada pela regra do art. 1.572 do CC⁄16 que, com redação equivalente à do art. 1.784 do CC⁄02, que determina a imediata transferência da herança aos herdeiros, com a morte do de cujus (princípio da saisine). Essa norma, na verdade, destina-se a evitar que a herança permaneça em estado de jacência até sua distribuição aos herdeiros, como ocorria no direito português antigo, de inspiração romana (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes, Comentários ao Código Civil, Vol. 20, São Paulo: Saraiva, 2007, pág. 26). Com a morte, a transmissão do patrimônio se dá, diretamente, do de cujus para os herdeiros. Antes da partilha, porém, todo o patrimônio permanece em situação de indivisibilidade, a que a lei atribui natureza de bem imóvel (art. 79, II, do CC⁄16). Esse condomínio, por expressa disposição de lei, em juízo, é representado pelo inventariante. Não há, portanto, como argumentar que a universalidade consubstanciada no espólio, cuja representação é expressamente atribuída ao inventariante pela Lei, seja parte ilegítima para a ação proposta pelo herdeiro.

Destarte, ausente qualquer ofensa aos arts. 267, VI, do CPC, 1.572, 1577 e 1.580 do CC⁄16, como alegado pelo recorrente.

II - O recurso quanto à divergência

O acórdão que julgou o REsp 37.150⁄SP (Rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, 4ª Turma, RSTJ 93⁄266), selecionado pelo recorrente como paradigma, enfrenta situação fática substancialmente diferente da hipótese deste processo. Ali, o STJ discutiu a legitimidade ativa (não passiva) de um dos herdeiros, isoladamente, para representar o espólio em ação na qual este busca o reconhecimento da existência de união estável. É situação totalmente diferente da deste processo, no qual o espólio é reu dessa ação. Não há, portanto, similitude fática que permita conhecer do recurso pela divergência.

Forte em tais razões, nego provimento ao recurso especial.

TJRS – Plano de saúde é obrigado a realizar cirurgia bariátrica para redução de peso em caso de obesidade mórbida

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO-SAÚDE. AÇÃO ORDINÁRIA. OBESIDADE MÓRBIDA. CIRURGIA BARIÁTRICA. MÉTODO VÍDEO-LAPAROSCÓPICO. TUTELA ANTECIPADA.

Presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, é de ser mantida a decisão que concedeu a tutela antecipada pleiteada a fim de que a demandada seja compelida a autorizar a realização da cirurgia bariátrica de que necessita a autora pelo meio vídeo-laparoscópico. Método menos dispendioso do que o convencional. Ausência de exclusão expressa no contrato. Precedentes.

RECURSO DESPROVIDO, POR DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR.

Agravo de Instrumento

Sexta Câmara Cível

Nº 70032204380

Comarca de Porto Alegre

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

RELATÓRIO

Trata-se de agravo de instrumento interposto por UNIMED PORTO ALEGRE SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA em face da decisão de fls. 117/118 que deferiu a antecipação de tutela postulada por ADRIELE CUNHA MALAFAIA, ao efeito de determinar a realização do procedimento cirúrgico por laparoscopia, postulada nos autos da ação de cumprimento de obrigação de fazer movida pela segunda contra a primeira.

Em suas razões, a agravante insurge-se contra a decisão, alegando a ausência de verossimilhança do direito alegado. Discorre acerca da regulação incidente nas operações de planos se assistência à saúde. Assevera que a cirurgia bariátrica pela técnica de videolaparoscopia não é avalizada pelo ente regulador, de modo que a responsabilidade contratual da UNIMED POA não se estende a terapêutica eleita pela beneficiária. Diz que as coberturas previstas no ajuste estão diretamente ligadas ao Rol da ANS. Sustenta a ausência de afronta à legislação consumerista, porquanto não há como tornar iníqua a cláusula contratual redigida de forma expressa e em consonância com a regulamentação especial. Defende a inexistência de prova inequívoca e receio de dano irreparável, bem como a necessidade de prestação de caução. Pede a concessão de efeito suspensivo ao presente recurso e, ao final, o seu provimento.

Vieram-me os autos conclusos em condições de julgamento.

É o relatório.

Decido.

FUNDAMENTAÇÃO

Conheço do recurso porquanto preenchidos os pressupostos legais.

Não prospera a irresignação.

Analisando os autos, verifico estarem presentes os requisitos autorizadores do deferimento da medida. Os documentos de fls. 82/84 demonstram que os três profissionais com os quais a autora se consultou indicam a realização da cirurgia de redução de estômago pelo método vídeo-laparoscópico.

Assim sendo, considerando que o contrato não exclui de forma expressa a utilização do método cirúrgico citado, o que, aliás, contraria o disposto no art. 16, VI da Lei nº 9.656/98 (aplicável ao caso em razão das renovações periódicas e o art. 54, § 4º, do CDC, e que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas em favor do aderente, nos termos do art. 47 da lei protetiva, é de ser concedida a tutela antecipada postulada, uma vez ser inegável a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, residindo esse na gravidade da moléstia e no seu caráter progressivo.

Nesse sentido é a farta jurisprudência desta Corte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA INTERNAÇÃO E REALIZAÇÃO DE CIRURGIA BARIÁTRICA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA MANTIDA. PRESENÇA DA VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E NECESSIDADE DE URGÊNCIA NA CONCESSÃO DO PROVIMENTO. ART. 273 DO CPC. 1. Os planos ou seguros de saúde estão submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, enquanto relação de consumo atinente ao mercado de prestação de serviços médicos. Isto é o que se extrai da interpretação literal do art. 35 da Lei 9.656/98. 2. O objeto do litígio é o reconhecimento da cobertura pretendida, a fim de que a parte agravada possa efetuar o tratamento cirúrgico (cirurgia bariátrica), e autorização para internação, sendo que a necessidade decorreu de indicação médica, diante das condições físicas da recorrida. 3. Procedimento médico cirúrgico necessário para que a recorrida tenha qualidade de vida e retome a sua jornada normal, considerando que a doença crônica que a acomete (obesidade mórbida), além de ocasionar complicações graves em seu organismo, afeta a auto-estima da paciente. 4. No caso em exame estão presentes os requisitos autorizadores da tutela antecipada concedida, consubstanciado no risco de lesão grave e verossimilhança do direito alegado, não se podendo afastar o direito da parte agravada de discutir acerca da abrangência do seguro contratado, o que atenta ao princípio da função social do contrato. 5. Tutela que visa à proteção da vida, bem jurídico maior a ser garantido, atendimento ao princípio da dignidade humana. Negado provimento ao agravo de instrumento. (Agravo de Instrumento Nº 70023450182, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 15/04/2009)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. OBESIDADE MÓRBIDA. NECESSIDADE DE CIRURGIA BARIÁTRICA. URGÊNCIA. TUTELA ANTECIPADA. DEFERIMENTO. Estando presentes os requisitos autorizadores para a concessão da tutela antecipada, pois há prova inequívoca da verossimilhança da alegação da agravante pelos documentos acostados aos autos, os quais dão conta da presença de risco de dano de difícil reparação com a demora no procedimento cirúrgico indicado, que deverá ser feito no hospital eleito pela paciente, pois ela é portadora de obesidade mórbida, doença crônica que poderá comprometer gravemente o seu estado de saúde. Agravo de instrumento provido. (Agravo de Instrumento Nº 70029398351, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 13/04/2009)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. CIRURGIA BARIÁTRICA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 273 DO CPC. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO LIMINARMENTE, NA FORMA DO ART. 557, § 1.º-A, DO CPC. Verificados, no caso concreto, os requisitos dispostos no art. 273 do Código de Processo Civil. Face à indicação médica no que tange à necessidade e urgência na realização da cirurgia, está presente o requisito do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Elementos trazidos aos autos suficientes ao fim de propiciar o reconhecimento da urgência e necessidade de se impor à seguradora desde logo o custeio integral das despesas do tratamento do paciente, qual seja, cirurgia bariátrica, por ser portadora de obesidade mórbida. AGRAVO PROVIDO EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70027867324, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 10/12/2008)

Frise-se, ademais, que o método cirúrgico vídeo-laparoscópico é menos dispendioso do que o convencional, sendo, portanto, mais benéfico para ambas as partes.

Por essas razões, a manutenção da decisão recorrida é medida que se impõe.

DISPOSITIVO

Posto isso, com fundamento no artigo 557, caput, do CPC, nego provimento ao agravo de instrumento.

Intimem-se.

Comunique-se.

Dil. Legais.

Porto Alegre, 15 de setembro de 2009.

 

Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura,

Relator.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

TJRS – É ilegal a cobrança de tarifa por quitação antecipada de financiamento. Restitição em dobro

Comarca de Porto Alegre/RS

2º Juizado Especial Cível do Foro Central

Processo nº            001/3.07.0031968-7

Autor:                       Luis Frederico Vasconcelos Etchegary

Réu:            Banco Panamericano S/A

Juíza Leiga:            Lorena Correa da Silva

Data:                       30.11.2007

Vistos, etc.

O autor interpõe a presente ação pleiteando a declaração de nulidade da exigência econômica denominada “tarifa de liquidação antecipada”, bem como a condenação do réu à repetição do indébito, em valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais. Dá à causa o valor de R$ 3.679,28 (três mil, seiscentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos). Informa ter aderido, em 16.05.2006, a contrato de abertura de crédito – veículos, mediante alienação fiduciária. Refere que, após ter pago 12 (doze) parcelas das 36 (trinta e seis) pactuadas, teve a oportunidade de promover a quitação antecipada do saldo em aberto, correspondente as 24 (vinte e quatro) parcelas restantes, no valor de R$ 11.149,92. Registra que o réu procedeu na dedução proporcional dos juros em R$ 2.866,74, no entanto, cobrou, pela quitação antecipada, a importância de R$ 1.839,64 (um mil, oitocentos e trinta e nove reais e sessenta e quatro centavos), sob a rubrica “tarifa de liquidação antecipada”. Assinala ter integralizado os valores retromencionados em 04.06.2007, o que importou na extinção do contrato de financiamento e liberação do veículo.

A conciliação foi inexitosa (fl. 12). Tratando-se de matéria de direito foi dispensada a realização de audiência de instrução e julgamento.          

O réu juntou contestação às fls. 18/24, requerendo a improcedência da ação, sob o argumento de que regular a cobrança da tarifa em razão da liquidação antecipada da dívida, uma vez que em conformidade com as Resoluções emitidas pelo Banco Central e o Decreto nº 3.401/2006. Refere, ainda, pelo princípio da eventualidade que, se prosperar o pedido de devolução da quantia cobrada, esta deve ocorrer da forma simples, diante da inexistência de má-fé por parte do banco e do entendimento jurisprudencial contido na Súmula nº 159 do STF.

É o relatório.

As normas do Código de Defesa do Consumidor são aplicáveis ao presente processo, porquanto se trata de relação de consumo.

Em se verificando a relação de consumo, com a declaração da inversão do ônus da prova, diante da verossimilhança das ponderações expostas na petição inicial e da hipossuficiência do autor, incumbia ao réu provar a regularidade da cobrança da tarifa incidente sobre a liquidação antecipada do débito, ônus do qual não se desonerou a contento.

Na presente ação o autor pleiteia a devolução, em dobro, da quantia de R$ 1.839,64 (um mil, oitocentos e trinta e nove reais e sessenta e quatro centavos), pagos indevidamente, em razão da aplicação de tarifa pelo banco-réu como condição para que fosse possível a quitação antecipada do contrato de abertura de crédito para aquisição de veículo, mediante alienação fiduciária.

O réu, por sua vez, sustenta a legalidade da cobrança da tarifa de liquidação antecipada, porquanto aplicada com base em resoluções editadas pelo banco Central do Brasil e Decreto nº 3.401/2006.

Cabe registrar, de antemão, o equívoco do réu, quando menciona a existência do Decreto nº 3.401/2006 como disciplinador da matéria objeto desta lide, porquanto, primeiro, não há Decreto com este número no ano de 2006. Em segundo lugar, o Decreto nº 3.401, de 2000, dispõe sobre a inclusão, no Programa Nacional de Desestatização, do Banco do Estado do Amazonas S. A. e dá outras providências.

Ademais, é incontestável a abusividade da tarifa aplicada ao autor quando da quitação antecipada do contrato, prática essa totalmente em desacordo com os princípios tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor.

Observa-se que o réu não pauta seu procedimento em embasamento legal. Afirma a existência de resoluções do Banco Central tratando da matéria, mas nada prova a esse respeito. Assim, a cobrança da tarifa de liquidação antecipada afigura-se uma afronta aos direitos do consumidor.

Destarte, em razão de o autor ter efetuado pagamento de valor indevido, isto é, de R$ 1.839,64 (um mil, oitocentos e trinta e nove reais e sessenta e quatro centavos), deve receber a devolução da quantia irregularmente paga, em dobro, nos termos do preceito do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor.

Corroborando o entendimento supra, transcrevem-se, abaixo, ementas de acórdãos:

“RESTITUIÇÃO DE VALORES. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO. MULTA APLICADA. O estabelecimento de multa (tarifa) como condição para a quitação antecipada do contrato se apresenta totalmente contrário aos preceitos protetivos dos direitos do consumidor, positivados no CDC. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL DA TARIFA. RECURSO IMPROVIDO. (processo 71001022672).”

CONSUMIDOR. CLAÚSULA QUE PREVÊ A COBRANÇA DE TARIFA DE QUITAÇÃO ANTECIPADA. ABUSIVIDADE. NULIDADE RECONHECIDA. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. É nula a cláusula que prevê cobrança de tarifa para quitação antecipada. Recurso improvido. (Recurso Cível Nº 71001441831, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Clovis Moacyr Mattana Ramos, Julgado em 07/11/2007)

Ante o exposto, entendo pela PROCEDÊNCIA da ação proposta por LUIS FREDERICO VASCONCELOS ETCHEGARY em face de BANCO PANAMERICANO S/A, declarando nula de pleno direito a exigência econômica titulada “tarifa de liquidação antecipada” com a condenação do réu à repetição de quantia igual ao dobro do valor indevidamente cobrado, qual seja R$ 3.679,28 (três mil, seiscentos e setenta e nove reais e vinte e oito centavos), corrigida monetariamente pela variação do IGP-M desde a data do desembolso (04.06.2007), com acréscimo de juros legais a contar da citação (30.08.2007) até a data do efetivo pagamento.

Por fim, fica o requerido ciente de que deverá cumprir com sua obrigação no prazo de até 15 (quinze) dias a contar do trânsito em julgado da sentença, independentemente de nova citação, sob pena da multa no percentual de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 475, “J”, do Código de Processo Civil.

Sem custas e honorários advocatícios, de acordo com o art. 55 da Lei nº 9.099/95.

Submeto a elevada apreciação da Excelentíssima Juíza Presidente deste Juizado, nos termos do art. 40 da Lei nº 9.099/95.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Porto Alegre, 30 de novembro de 2007

Lorena Correa da Silva

  Juíza Leiga

STF - Ultrapassados cinco anos da concessão do benefício de pensão por invalidez é necessária a intimação do interessado para exercer o direito ao contraditório e à ampla defesa

 

MS/28255 - MANDADO DE SEGURANÇA

Origem: DF - DISTRITO FEDERAL

 

Relator: MIN. CARLOS BRITTO

DECISÃO: Vistos, etc.

Trata-se de mandado de segurança, aparelhado com pedido de medida liminar, impetrado por Afonso Ferreira Filho, representado por sua curadora Edna Navaroli, contra ato do Tribunal de Contas da União. Ato consubstanciado no Acórdão nº 3.369/2009 – 1ª Câmara.

2. Argui o autor ser beneficiário, desde o falecimento de seu pai, em 2001, de pensão civil fundamentada na alínea “a” do inciso II do art. 217 da Lei nº 8.112/90 (pensão temporária a filho inválido, enquanto durar a invalidez). Alega que, em agosto de 2009, foi surpreendido com o Acórdão nº 3.369/2009, do Tribunal de Contas da União, que negou registro à pensão. Acórdão que foi prolatado sem que o impetrante fosse ouvido no processo administrativo. Daí sustentar violação às garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa e requerer a concessão de liminar para suspender os efeitos do referido acórdão, com o imediato restabelecimento da pensão.

3. Feito esse aligeirado relato da causa, passo à decisão. Fazendo-o, pontuo, de saída, que o poder de cautela dos magistrados é exercido num juízo provisório em que se mesclam num mesmo tom a urgência da decisão e a impossibilidade de aprofundamento analítico do caso. Se se prefere, impõe-se aos magistrados condicionar seus provimentos acautelatórios à presença, nos autos, dos requisitos da plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni juris) e do perigo da demora na prestação jurisdicional (periculum in mora), perceptíveis de plano. Requisitos a ser aferidos primo oculi, portanto. Não sendo de se exigir, do julgador, uma aprofundada incursão no mérito do pedido ou na dissecação dos fatos que a este dão suporte, senão incorrendo em antecipação do próprio conteúdo da decisão definitiva.

4. No caso, tenho como presentes os requisitos necessários à concessão da medida liminar. É que a instituição do benefício em favor do impetrante ocorreu em 2001 e somente em 2009 o Tribunal de Contas da União apreciou a legalidade do ato, para fins de registro. Ultrapassados cinco anos do deferimento da pensão pela Administração Pública, tenho por necessária a intimação do interessado para exercer seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Assim me manifestei nos MS’s 25.116 e 25.403, in verbis:

“15. Naquela oportunidade [julgamento do MS 24.268], manifestei minha concordância com o voto do insigne Ministro [Gilmar Mendes], ressaltando que o Tribunal de Contas, ao apreciar a legalidade de um ato concessivo de pensão, aposentadoria ou reforma, não precisa ouvir a parte diretamente interessada, porque a relação jurídica imediatamente travada, nesse momento, é entre o Tribunal de Contas e a Administração Pública. Relação tipicamente endo-administrativa, portanto. Num segundo momento, porém, com o julgamento da legalidade daquele primeiro ato administrativo de concessão da aposentadoria, reforma ou pensão, o que se tem já é a confirmação do direito de crédito contra a Fazenda Pública no bojo de uma típica relação de trato sucessivo.

(...)

17. Consoante relatado, o presente mandado de segurança foi manejado contra ato do Tribunal de Contas, que negou registro à aposentadoria do impetrante. Cuida-se, então, de relação jurídica imediatamente travada entre a Corte de Contas e a Administração Pública. Todavia, impressiona-me o fato de a recusa do registro da inatividade ocorrer depois de passados quase seis anos da sua unilateral concessão administrativa. Fato que está a exigir, penso, uma análise jurídica mais detida. É que, no caso, o gozo da aposentadoria por um lapso prolongado de tempo confere um tônus de estabilidade ao ato sindicado pelo TCU, ensejando questionamento acerca da incidência dos princípios da segurança jurídica e da lealdade (que outros designam por proteção da confiança dos administrados).

(...)

21. Pois bem, considerando o status constitucional do direito à segurança jurídica (art. 5º, caput), projeção objetiva do princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º) e elemento conceitual do Estado de Direito, tanto quanto levando em linha de consideração a lealdade como um dos conteúdos do princípio da moralidade administrativa (caput do art. 37), faz-se imperioso o reconhecimento de certas situações jurídicas subjetivas ante o Poder Público. Mormente quando tais situações se formalizam por ato de qualquer das instâncias administrativas desse Poder, como se dá com o ato formal de uma determinada aposentadoria.

22. Em situações que tais, é até intuitivo que a manifestação desse órgão constitucional de controle externo há de se formalizar em tempo que não desborde das pautas elementares da razoabilidade. Todo o Direito Positivo é permeado por essa preocupação com o tempo enquanto figura jurídica, para que sua prolongada passagem em aberto não opere como fator de séria instabilidade inter-subjetiva ou mesmo intergrupal. Quero dizer: a definição jurídica das relações interpessoais ou mesmo coletivas não pode se perder no infinito. Não pode descambar para o temporalmente infindável, e a própria Constituição de 1988 dá conta de institutos que têm no perfazimento de um certo lapso temporal a sua própria razão de ser. É o caso dos institutos da prescrição e da decadência, a marcar explícita presença em dispositivos como estes:

(...)

23. Mais recentemente, por efeito da Emenda Constitucional nº 45/04, a Constituição Federal passou a albergar, explicitamente, o direito à razoável duração do processo – inclusive os de natureza administrativa, conforme a seguinte dicção:

‘LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’.

24. Sem dúvida, pois, que determinadas pautas temporais são, em si mesmas, um tão relevante aspecto da vida que chegam a merecer direto tratamento constitucional. Importando, aqui, saber se não existe uma espécie de tempo médio que resuma em si, objetivamente, o desejado critério da razoabilidade.

25. Ora bem, na busca desse tempo médio, pontuo que é do mesmo Almiro do Couto e Silva esta ponderação:

‘Cremos que, desde a vigência da Lei da Ação Popular o prazo prescricional das pretensões invalidantes da Administração Pública, no que concerne a seus atos administrativos é de cinco anos’. (SILVA, Almiro do Couto. Prescrição quinqüenária da pretensão anulatória da administração pública com relação a seus atos administrativos. In: Revista de Direito Administrativo. Abr./jun. 1996. Rio de Janeiro, 204:21-31).

26. É dizer, então: partindo do fundamento de que a pretensão anulatória de qualquer um do povo, frente aos atos administrativos ilícitos ou danosos, não deve ser diversa daquela do Poder Público para ver os particulares jungidos a ele, Poder Público, o renomado autor entende que o parágrafo 3o do artigo 6o da Lei nº 4.717/65 é de ser interpretado à luz dessa ponderação. Daí arrematar:

‘O prazo de cinco anos, que é o prazo prescricional previsto na Lei da Ação Popular, seria, no meu entender, razoável e adequado para que se operasse a sanação da invalidade e, por conseqüência, a preclusão ou decadência do direito e da pretensão de invalidar, salvo nos casos de má-fé dos interessados’. (SILVA, Almiro do Couto. Prescrição quinqüenária da pretensão anulatória da administração pública com relação a seus atos administrativos. In: Revista de Direito Administrativo. Abr./jun. 1996. Rio de Janeiro, 204:21-31).

27. De forma convergente quanto à razoabilidade desse prazo médio dos 5 anos, o Congresso Nacional elaborou a Lei nº 9.784/99 e, nela, estatuiu (art. 54) que ‘o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé’. Ademais, essa mesma lei, reguladora do processo administrativo federal, teve o mérito de também explicitar o subprincípio da boa-fé como obrigatória pauta de conduta administrativa, a teor do inciso IV do parágrafo único do art. 2o, cujo caput também determina a obediência da Administração Pública, dentre outros, aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, moralidade e segurança jurídica, in verbis:

(...)

28. Não é só. Também o Código Tributário Nacional determina que se extingue em 5 anos o direito de a Fazenda Pública constituir e cobrar judicialmente os créditos fiscais (arts. 173 e 174). Isto, naturalmente, para que o contribuinte não fique sob prolongada incerteza quanto a cobrança dos valores de que o Fisco se considera credor. Leia-se:

(...)

29. Não por coincidência, a Constituição fez desse mesmo lapso dos 5 anos critério de fixidez de efeitos jurídicos entre toda a Administração Pública brasileira e aqueles seus servidores que, mesmo desconcursados, já contassem 5 ou mais anos de contínuo labor, à data em que ela, Constituição, entrou em vigor. Confira-se:

(...)

30. Nessa mesma vertente, a Lei Maior de 1988 fez desse emblemático transcurso dos 5 anos ininterruptos um dos pressupostos do chamado usucapião extraordinário, tanto de natureza urbana quanto rural, a teor desta sonora dicção:

(...)

31. Enfim, torna a Constituição a fazer da pauta dos 5 anos referência para a prescrição em tema de crédito trabalhista, in verbis: ‘art. 7º. XXIX: ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho’.

32. Bem vistas as coisas, então, já se percebe que esse referencial dos 5 anos é de ser aplicado aos processos de contas que tenham por objeto o exame de legalidade dos atos concessivos de aposentadorias, reformas e pensões. Isto na acepção de que, ainda não alcançada a consumação do interregno qüinqüenal, não é de se convocar os particulares para participar do processo do seu interesse. Contudo, transcorrido in albis esse período, ou seja, quedando silente a Corte de Contas por todo o lapso qüinqüenal, tenho como presente o direito líquido e certo do interessado para figurar nesse tipo de relação jurídica, exatamente para o efeito do desfrute das garantias do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV).

33. Em palavras outras: do exame do Ordenamento Jurídico brasileiro em sua inteireza é possível concluir pela existência de uma norma que bem se aplica aos processos de contas. Que norma? Essa que assegura ao interessado o direito líquido e certo de exercitar as garantias do contraditório e da ampla defesa, sempre que uma dada Corte de Contas deixar de apreciar a legalidade de um ato de concessão de pensão, aposentadoria ou reforma fora do multicitado prazo dos cinco anos. Isto pela indesmentida proposição de que, por vezes, a norma jurídica se encontra não num particularizado dispositivo, mas no conjunto orgânico de vários deles. É como dizer: aqui e ali, a inteireza de uma norma se desata de dispositivos sediados, ora em somente um, ora em esparsos dispositivos de u´a mesma lei; valendo-se o intérprete, naturalmente, da utilização do método sistemático em sua mais dilargada dimensão.”

5. Ante o exposto, defiro a liminar para suspender os efeitos do Acórdão nº 3.369/2009 – TCU – 1ª Câmara, com o consequente restabelecimento da pensão do impetrante.

6. Notifique-se a autoridade apontada como coatora para que preste, no prazo de 10 (dez) dias, as informações que entender necessárias (inciso I do art. 7º da Lei nº 12.016/2009).

7. Intime-se o Advogado-Geral da União para, querendo, ingressar no processo (inciso II do art. 7º da Lei nº 12.016/2009). Após, dê-se vista dos autos ao Procurador-Geral da República.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 22 de setembro de 2009.

 

Ministro CARLOS AYRES BRITTO

Relator

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

STJ – Tributário. Energia elétrica. O fato gerador do ICMS é o efetivo consumo e não a simples contratação da demanda

 

EDcl no RECURSO ESPECIAL Nº 960.476 - SC (2007⁄0136295-0)

RELATOR: MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ICMS SOBRE DEMANDA DE ENERGIA ELÉTRICA. ACÓRDÃO QUE DEIXOU CLARAMENTE ESTABELECIDO QUE O FATO GERADOR É O EFETIVO CONSUMO (E NÃO A SIMPLES CONTRATAÇÃO DA DEMANDA) E QUE A BASE DE CÁLCULO É O VALOR DA TARIFA CORRESPONDENTE AESSA DEMANDA CONSUMIDA (E NÃO SOBRE A CONTRATADA). IMPERTINÊNCIA DA DISCUSSÃO A RESPEITO DOS CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DE TARIFAS, QUE, ALÉM DE ESTRANHOS AO OBJETO DO PROCESSO, ESTÃO PREVISTOS NO SISTEMA TARIFÁRIO NACIONAL, CUJA FONTE, PORTANTO, É NORMATIVA E NÃO CONTRATUAL.INEXISTÊNCIA DE QUAISQUER DOS VÍCIOS DO ART. 535 DO CPC. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.

 

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, vencida em parte a Sra. Ministra Denise Arruda, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves e Eliana Calmon votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.

Brasília, 24 de junho de 2009.

MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI

Relator

 

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI:

Trata-se de embargos de declaração (fls. 702-710) opostos contra acórdão cuja ementa é aseguinte:

TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA DE POTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE EM DEMANDA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA. INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE NA DEMANDA DE POTÊNCIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE UTILIZADA.

1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810⁄MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que "o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos", razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica,"a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria". Afirma-se, assim, que "o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa".

2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que "não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência". Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor.

3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456⁄2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.

4. No caso, o pedido deve ser acolhido em parte, para reconhecer indevida a incidência do ICMS sobre o valor correspondente à  demanda de potência elétrica contratada mas não utilizada.

5. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08⁄08 (fl. 665).

Sustenta a embargante, em suma, que houve obscuridade, porquanto o acórdão embargadoparece contrariar a jurisprudência até então pacificada do STJ, no sentido de que o ICMSsomente poderá incidir sobre o valor correspondente à energia efetivamente consumida. Assim,entende não esclarecidos os seguintes pontos: (a) "se a Corte manteve o entendimento anteriorde que o ICMS somente incide sobre a parcela da tarifa binomial correspondente à totalidade daenergia elétrica ou se modificou tal jurisprudência para acrescentar à base de cálculo do ICMSoutra parcela (...) e, em caso afirmativo, qual parcela seria esta" (fl. 706); (b) qual a base decálculo a ser utilizada, se a demanda medida máxima ou a média de cada mês; e (c) qual valor aser atribuído à demanda de potência medida (máxima ou média), para efeito de ICMS, quandoesta for menor do que a demanda contratada.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO TEORI ALBINO ZAVASCKI (Relator):

1.Não há qualquer obscuridade no acórdão embargado. O acórdão embargado enfrentou edecidiu, clara e motivadamente, todos os pontos relacionados com a controvérsia. Eis como essa controvérsia foi colocada na petição inicial:

Observe-se que o contrato de fornecimento de energia elétrica firmado entre a impetrante e a CELESC somente vem a garantir uma demanda de energia elétrica, conforme supra descrito, não promovendo alterações na situação fática da energia realmente gasta, sobre a qual deva incidir o ICMS, uma vez que é ilegal e inconstitucional cobrar pelo que não foi gasto, ou seja, sobre a quantia de demanda não utilizada, mas colocada à disposição. Entretanto, é o que vem ocorrendo.

Ora, a mera formalização de contrato não caracteriza a circulação de mercadoria. O fato gerador do ICMS não se configura com o simples contrato, é necessário a efetiva circulação física ou econômica da mercadoria (energia elétrica), em termos de seu real consumo. O valor da operação é a base de cálculo do ICMs, então, o valor da operação corresponde ao que é entregue ao consumidor, que é a energia elétrica efetivamente consumida.

Não é a mera disponibilidade de energia ao consumidor que representa a hipótese de incidência do ICMS. O entendimento do que seja 'efetivamente consumida' deve ser a da energia elétrica que sai da linha de transmissão e entra no estabelecimento empresarial para sua utilização e consumo. (fls. 05)

2.Como se percebe, a controvérsia central diz respeito ao fato gerador do ICMS sobre energia elétrica: se a demanda de energia elétrica simplesmente contratada ou se demanda efetivamente utilizada. Segundo a petição inicial, "é ilegal e inconstitucional cobrar (...) sobre a quantia da demanda não utilizada".

Sobre essa questão, reiterando a jurisprudência pacificada no STJ, o acórdão afirmouclaramente o seguinte (itens 1 e 2 da ementa):

1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810⁄MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que "o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos", razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda de potência elétrica,"a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria". Afirma-se, assim, que "o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue aoconsumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa".

2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que "não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência". Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor. (fls. 665)

No voto, essas conclusões foram justificadas a partir de duas premissas, também devidamente justificadas, a saber:

3.Premissa (I) que justifica a jurisprudência: para efeito de ICMS, energia elétrica é mercadoria, e não serviço. (item 3 do voto - fls. 667⁄668)

4.Premissa (II) que também justifica a jurisprudência: a energia elétrica só é gerada e só circula quando há consumo. (item 4 do voto - fls. 668⁄669)

Com base nessas premissas, foi estabelecida a seguinte conclusão:

Correta, portanto, repita-se, a jurisprudência firmada no STJ no sentido de que  "O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa"; "Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência. (fls. 669)

Reproduziu-se inclusive a insuspeita manifestação da própria Confederação Nacional daIndústria - CNI, na sua condição de amicus curiae, nos seguintes termos:

Anoto que essa conclusão guarda consonância com a manifestação da Confederação Nacional da Indústria - CNI, como amicus curiae, a fls. 604:

"A demanda contratada pelo grande consumidor de energia com a distribuidora de energia elétrica só é fato gerador do tributo em questão na medida em que o consumidor faz uso dessa energia, pois é só nessa medida que tem lugar a transferência, pressuposto do tributo sub examen.

Quando um consumidor  industrial reserva uma certa quantidade de potência energética com a distribuidora e não chega a consumir toda essa monta, observa-se que, em relação à diferença, não ocorreu a condição necessária e suficiente para o nascimento da obrigação tributária. (fls. 677)

Os votos que acompanharam o relator também foram claros e explícitos:

"A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA (Relatora): Em julgamentos proferidos pela Primeira Turma⁄STJ, já acompanhei voto proferido pelo Ministro Teori Albino Zavascki, sustentando que o fato gerador do ICMS é a demanda efetivamente consumida, e não a contratada" (fls. 687).

"O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Discute-se a incidência do ICMS sobre fornecimento de energia elétrica, considerando a existência de demanda contratada, também conhecida por reserva de demanda ou demanda garantida.

(...)

A questão ganha relevo quando o adquirente da energia utiliza apenas parcela do valor total contratado, ou seja, quando o consumo é menor que a demanda garantida.

(...)

A contratação da demanda é objeto de negócio jurídico importante para a integridade do sistema elétrico e para as atividades empresariais. Isso não significa, porém, que a incidência estadual poderá alcançar a totalidade do contrato. Trata-se de garantia de fornecimento que, por isso mesmo, não se confunde com a efetiva entrega da mercadoria e, portanto, com a circulação tributável pelo Estado.

Importante salientar que não se afasta a tributação do ICMS sobre toda a demanda contratada, mas apenas sobre a parcela não consumida pelo interessado" (fls. 691⁄692).

"O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES:

Sr. Presidente, concordo com a delimitação feita para fixação da abrangência do fato gerador apresentada no voto do eminente Ministro Relator. Entendo que não estamos confundindo a situação de política tarifária, como foi dito anteriormente, com a delimitação do fato gerador". (fls. 693)

"EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON:

(...)

A lei determina o fato gerador, que é a circulação da mercadoria. Se energia é mercadoria, só pode ser sobre aquilo que circula. O que não circula pode ser contratado, e é o valor do contrato, mas não é ICMS. Pode ser qualquer coisa, mas não pode ser ICMS" (fls. 694).

Já os votos vencidos foram igualmente claros, no sentido de que simples contratação dademanda de energia elétrica constitui fato gerador do ICMS. São elucidativas, no particular, asseguintes passagens:

"EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA:

(...)

Como a energia elétrica é tratada como bem móvel por ficção legal, torna-se compreensível que a entrega da mercadoria no ponto de conexão seja adotado como critério decisivo de imputação temporal da operação tributável que, assim, se considerará ocorrida nesse instante.

Sob esse prisma, a simples colocação da energia elétrica à disposição do consumidor no ponto de entrega já é suficiente para aperfeiçoar o fato gerador do imposto.

(...)

Nesses termos, a destinação dada à potência contratada, seja ela efetivamente utilizada ou não, é circunstância irrelevante para a incidência do ICMS.

Dá-se a circulação do bem quando disponibilizada a energia no ponto de entrega indicado no contrato de fornecimento. A partir desse momento, pode-se dizer que a empresa fornecedora já não detém titularidade sobre a demanda contratada.

Assim, o fato de não ter sido consumida a energia não desfigura a operação de circulação, já que, colocada à disposição do consumidor, nenhum outro usuário poderá consumi-la.

(...)

Em outras palavras, o consumidor está pagando para garantir a energia que consome ou para dispor, quando bem lhe aprouver, de demanda de energia colada à sua disposição" (fls. 680⁄6).

O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS:

A controvérsia restringe-se à não-incidência de ICMS sobre a demanda contratada de energia elétrica, quando não consumida. Somente incide o ICMS sobre a demanda efetivamente consumida, e não sobre a contratada, pois o fato gerador da obrigação é a energia elétrica consumida; se não ocorrer o consumo, não há porque incidir a obrigação da cobrança do tributo. Esse entendimento está pacificado nas duas Turmas, inclusive na Primeira Seção

(...)

Todavia, diante do voto-vista do Min. Castro Meira - proferido no recurso em mandado de segurança 21.748 - passei a manifestar meu entendimento no sentido de que deve incidir o ICMS na operação de energia elétrica conhecida como "demanda contratada".

De fato, a própria agência reguladora do sistema elétrico entende que a responsabilidade da distribuidora vai até a disponibilização da energia elétrica no ponto de conexão do sistema elétrico. A partir daí, se a energia será ou não consumida, não interessa para a incidência do ICMS.

O importante é que a energia foi disponibilizada ao consumidor, e que esta mesma energia não retorna ao poder da distribuidora, tampouco poderá ela ser vendida a terceiros, ou seja, a transferência da mercadoria esgotou-se no momento em que foi colocada à disposição no ponto de conexão.

Desta forma, se a empresa reservou energia perante a distribuidora de energia elétrica, deverá pagar ICMS, tendo como base de cálculo toda esta "reserva contratada", independente ou não de tê-la utilizado" (fls. 688⁄690).

3.Enfatiza-se, portanto, que não há qualquer dúvida ou obscuridade a ser sanada. Os embargos de declaração, na verdade, não tratam da questão jurídica posta na demanda, que, conforme explicitado, diz respeito ao fato gerador. O que neles se questiona é tema relacionado com a base de cálculo. Também essa matéria foi clara e explicitamente enfrentada, conforme se constata da própria ementa do acórdão embargado:

"3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456⁄2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada." (fls.665)

Essa conclusão, além de estar claramente explicitada, foi justificada amplamente no voto,constituindo decorrência lógica e natural da própria definição do fato gerador: se o fato gerador é a demanda de energia elétrica efetivamente utilizada, a base de cálculo é o preço que foi pagopor esse consumo. Fez-se, inclusive, longa explanação sobre o modo como a tarifa de energia éestabelecida pelo sistema tarifário vigente em nosso País, inclusive no que se refere aosconsumidores do Grupo A (fls. 669-674), ficando claro que a tarifa de energia elétrica é fixadapor atos normativos (especialmente o Decreto 62.724⁄89, que "estabelece normas gerais detarifação para as empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica") e não por contrato, normas essas cuja legitimidade ou constitucionalidade jamais foram postas em dúvida. Esclareceu-se que, por força desse sistema normativo, a tarifa de energia dos grandesconsumidores (Grupo A) é fixada por critérios especiais. Para esses consumidores,

(...) o valor da tarifa mensal leva em consideração, como já se disse, não apenas a quantidade de kWh consumida no período de faturamento, mas também o modo como esse consumo ocorreu nesse período. Nesse caso, o valor unitário de cada kW consumido leva em conta dois elementos (daí denominar-se tarifa binômia), a saber: (a) um de valor unitário fixo, que é multiplicado pela quantidade de kWh consumida no período, e outro (b) de valor unitário variável, fixado de acordo com as condições de utilização da demanda de potência elétrica no período de faturamento, para o que se considera, entre outros fatores, (b.1) o horário do dia emque o consumo se deu (nos horários de ponta a energia é mais cara; de madrugada é mais barata), (b.2) o dia da semana em que ocorreu o consumo (nos dias úteis é mais cara; nos domingos e feriados é mais barata), (b.3) a época do ano em que a energia é consumida (em época de seca é mais cara; em período úmido é mais barata), e assim por diante. A especificação desses elementos de cálculo constam dos artigos 49 a 52 da Resolução ANEEL 456⁄2000.

As questões relacionadas com o modo de fixar a tarifa para os consumidores do Grupo A,portanto, nada tem a ver com "demanda contratada" ou com o fato gerador do ICMS. Como bemobservou o Ministro Mauro Campbell Marques, não se pode confundir política tarifária com fato gerador do ICMS. O sistema tarifário tem natureza normativa e não contratual. A tarifa é fixada por normas expedidas por autoridades federais, razão pela qual não pode ser objeto de disposição por contrato e muito menos por legislação tributária estadual. É a norma, e não o contrato, que define o valor e o modo de calcular o preço da demanda de energia elétrica consumida. O que aqui se decidiu - e se reafirma - é que o fato gerador do ICMS é o efetivo consumo (e não a simples contratação da demanda de energia elétrica) e que a base de cálculo não é o preço da demanda de energia contratada, mas sim o preço correspondente a essa demanda efetivamente utilizada, preço esse que é determinado, não pelo contrato, mas pelas normas que definem a política tarifária.

Esclareça-se por fim que, por imposição normativa do sistema tarifário, as faturas de energia elétrica mensalmente enviadas aos consumidores devem discriminar não apenas a demanda de energia elétrica contratada, mas também a efetivamente utilizada, razão pela qual o consumo é monitorado e medido por aparelhagem adequada. Isso permite fazer, na prática, a distinção entre uma e outra. No caso concreto, as faturas juntadas na inicial trazem claramente essa discriminação (fls. 24 a 27). O Estado fez incidir ICMS sobre a tarifa cobrada pelo total da demanda contratada. O que aqui ficou decidido, repita-se, é que ele deve incidir apenas sobre a tarifa correspondente à demanda utilizada, assim considerada a efetivamente medida no período de faturamento, devendo, portanto, ser restituída à autora a parcela cobrada a maior.

4. Diante do exposto, rejeito os embargos de declaração. É o voto.

 

VOTO VENCIDO

A EXMA. SRA. MINISTRA DENISE ARRUDA:

Trata-se de embargos de declaração (fls. 702⁄709) opostos contra acórdão sintetizado na seguinte ementa:

"TRIBUTÁRIO. ICMS. ENERGIA ELÉTRICA. DEMANDA DE POTÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE EM DEMANDA CONTRATADA E NÃO UTILIZADA.INCIDÊNCIA SOBRE TARIFA CALCULADA COM BASE NA DEMANDA DE POTÊNCIA ELÉTRICA EFETIVAMENTE UTILIZADA.

1. A jurisprudência assentada pelo STJ, a partir do julgamento do REsp 222.810⁄MG (1ª Turma, Min. José Delgado, DJ de 15.05.2000), é no sentido de que 'o ICMS não é imposto incidente sobre tráfico jurídico, não sendo cobrado, por não haver incidência, pelo fato de celebração de contratos', razão pela qual, no que se refere à contratação de demanda depotência elétrica, 'a só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza circulação de mercadoria'. Afirma-se, assim, que 'o ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado noestabelecimento da empresa'

2. Na linha dessa jurisprudência, é certo que 'não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente à garantia de demanda reservada de potência'. Todavia, nessa mesma linha jurisprudencial, também é certo afirmar, a contrario sensu, que há hipótese de incidência de ICMS sobre a demanda de potência elétrica efetivamente utilizada pelo consumidor.

3. Assim, para efeito de base de cálculo de ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida, segundo os métodos de medição a que se refere o art. 2º, XII, da Resolução ANEEL 456⁄2000, independentemente de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.

4. No caso, o pedido deve ser acolhido em parte, para reconhecer indevida a incidência do ICMS sobre o valor correspondente à  demanda de potência elétrica contratada mas não utilizada.

5. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08⁄08."

(fl. 697)

A embargante sustenta, em síntese, que o acórdão atacado contém as seguintes obscuridades:

1) a jurisprudência anterior "era no sentido de que a base de cálculo do ICMS abrangia apenas o valor da energia consumida, com exclusão de qualquer outro valor", e o voto condutor "parece" admitir a incidência do ICMS sobre outras parcelas;

2) considerando que a "demanda de potência máxima pode espelhar um instante absolutamente isolado de sobrecarga do sistema (....), não é razoável adotá-la como o fator a ser considerado para a apuração da base de cálculo do ICMS de todo o mês em questão";

3) sendo a demanda medida inferior à demanda contratada, subsiste tão-somente a tarifa decorrente do contrato de demanda, e o ICMS não pode incidir sobre o valor integral de tal tarifa, sob pena de se inviabilizar "a implementação da decisão tomada por esta Corte".

Requer sejam sanados os vícios apontados.

Em Sessão Ordinária realizada em 24 de junho de 2009, a Primeira Seção⁄STJ, aderindo aos fundamentos trazidos pelo Ministro Relator, rejeitou os presentes embargos, entendendo que não há dúvida ou obscuridade a ser sanada, porquanto foi consignado no acórdão embargado que, "para efeito de base de cálculo do ICMS (tributo cujo fato gerador supõe o efetivo consumo de energia), o valor da tarifa a ser levado em conta é o correspondente à demanda de potência efetivamente utilizada no período de faturamento, como tal considerada a demanda medida".

Não obstante o respeito que tributo aos eminentes Ministros que compõem a Primeira Seção⁄STJ, ousei divergir da douta maioria.

Embora tenha acompanhado o Ministro Teori Albino Zavascki no julgamento do recurso especial, posteriormente, analisando melhor o tema, entendi que, considerando que o fato gerador do ICMS, nas operações envolvendo fornecimento de energia elétrica, é o consumo, somente o consumo é que dará margem à base de cálculo do tributo, de modo que não se pode agregar a tal base de cálculo a tarifa decorrente da demanda medida.

Nesse contexto, é de se considerar que, eventualmente, a tarifa decorrente da demanda ("demanda medida") não corresponde à energia elétrica efetivamente consumida, motivo pelo qual não pode integrar a base de cálculo do ICMS. Apenas a tarifa decorrente do consumo (expressa em Kwh) integra a base de cálculo do tributo. Ressalte-se que a orientação desta Corte, desde o julgamento do REsp 222.810⁄MT (1ª Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, Rel. p⁄ acórdão Min. José Delgado, DJ de 15.5.2000), firmou-se no sentido de que "a garantia de potência e de demanda, no caso de energia elétrica, não é fato gerador do ICMS. Este só incide quando, concretamente, a energia for fornecida e utilizada, tomando-se por base de cálculo o valor pago em decorrência do consumo apurado".

Por tais razões, com renovada vênia, votei no sentido de acolher os presentes embargos de declaração, para afastar da base de cálculo do ICMS o valor correspondente à demanda medida.

STJ - Tributário - ICMS - Energia elétrica. Fato gerador demanda utilizada e não a reservada

RECURSO ESPECIAL Nº 343.952 - MG (2001⁄0101815-4)

RELATORA: MINISTRA ELIANA CALMON

EMENTA

TRIBUTÁRIO - ICMS - ENERGIA ELÉTRICA: DEMANDA RESERVADA - FATO GERADOR ART. 116. II. DO CTN).

  1. A aquisição de energia elétrica para reserva, formalizada por contrato, não induz à transferência do bem adquirido, porque não se dá a tradição.
  2. Somente com a saída do bem adquirido do estabelecimento produtor e o ingresso no estabelecimento adquirente é que ocorre o fato gerador do ICMS (art. 19 Convênio 66⁄88) e art. 166. II. do CTN.
  3. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos este autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial. Votaram com a Relatora os Srs. Ministros Franciulli Netto, LauritaVaz, Paulo Medina e Francisco Peçanha Martins.

Brasília-DF, 05 de fevereiro de 2002 (Data do Julgamento)

Ministra Eliana Calmon

Presidente e Relatora

 

RELATÓRIO

EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON:

CENIBRA - CELULOSE NIPO-BRASILEIRA S⁄A impetrou mandado de segurança contra ato do Superintendente da Receita Estadual de Minas Gerais, visando desobrigar-se do recolhimento doICMS incidente sobre demanda reservada de energia elétrica, conforme contrato firmado com aCEMIG.

Defendeu a empresa a tese de que a exigência fiscal apenas poderia referir-se ao efetivo consumo do bem contratado, por se tratar de Imposto sobre Circulação de Mercadorias, não se enquadrando no conceito de fato gerador o excedente de energia pago, mas não utilizado.

A sentença denegou a segurança, posição que foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, surgindo, assim, o presente especial, com fulcro na letra "c" do permissivo constitucional, onde busca a recorrente caracterizar dissídio jurisprudencial com acórdão desta Corte, da lavra do Min. José Delgado.

Após as contra-razões. subiram os autos.

Relatei.

 

VOTO

EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (RELATORA):

O acórdão paradigma encerra hipótese absolutamente idêntica à presente, estando a decisão recorrida em divergência com o julgado trazido à colação. Vejamos os aspectos fáticos que dão suporte à controvérsia:

A empresa, no desenvolvimento de suas atividades, utiliza-se intensamente de energia elétrica.

E, para não ser surpreendida com o risco de insuficiência de energia, celebrou com a CEMIG contrato pelo qual adquire antecipadamente energia para reserva, a preço diferenciado, porque paga pela simples disponibilidade e não pelo efetivo consumo.

Ocorre que o Fisco Estadual está a exigir da empresa o pagamento do ICMS sobre o valor pago pela DEMANDA RESERVADA.

A segurança foi denegada no primeiro grau de jurisdição, por entender o julgador que a CEMIG, ao disponibilizar a energia para a empresa, perdia a titularidade pela transferência, ocorrendo o fato gerador do ICMS.

O TJ⁄MG confirmou a sentença, argumentando ser inquestionável que o ICMS incide sobre a venda de energia elétrica, sendo a base de cálculo do tributo o preço total do fornecimento pago pelo consumidor.

O acórdão paradigma surgiu do REsp 222.810⁄MG, julgado no dia 14⁄03⁄2000, quando ficou vencido o Ministro Milton Luiz Pereira, sendo designado para lavrar o acórdão o Ministro José Delgado.

O relator originário desenvolveu o raciocínio de que o contrato de compra e venda de energia elétrica entre a empresa e a CEMIG por si só caracteriza circulação de mercadoria e, com ela, a incidência doICMS.

A divergência foi inaugurada pelo Ministro José Delgado, que situou a questão à luz do art. 116. II. do CTN. abstraindo o contrato, por estar o fato gerador do ICMS inserido em situação jurídica contratual.

Para o relator designado, o fato gerador do ICMS só se consolidou no momento em que a energia saiu da fornecedora, circulou e entrou no estabelecimento do consumidor.

Em longo e judicioso voto. analisa e esquadrinha o fato gerador do ICMS, interpretando o disposto no Convênio 66⁄88.

Invocando o art. 19 do referido Convênio, que define a base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica, conclui pela não-incidência do imposto, visto ser ele bem preciso ao prever:

A base de cálculo do imposto devido pelas empresas distribuidoras de energia elétrica, responsáveis pelo pagamento do imposto relativamente a operações anteriores e posteriores, na condição de substitutos, é o valor da operação da qual decorra a entrega do produto ao consumidor.

Na espécie, a empresa compradora. ora recorrente, não recebe a energia da reserva. Apenas paga para mantê-la reservada.

Como o ICMS só incide sobre a mercadoria transferida, naturalmente que não incide imposto sobre o que não circulou e não se transferiu.

Lembro, por oportuno, e a propósito do voto do Ministro Milton Luiz Pereira, que no Direito brasileiro o contrato não tem a força suficiente para transferir a propriedade, o que só ocorre com a tradição para os bens móveis, e a transcrição para os bens imóveis.

Na RESERVA DE DEMANDA não ocorre a tradição da energia e, como tal, não se há de falar emICMS.

Assim sendo, dou provimento ao recurso especial para julgar procedente a ação e conceder a segurança.

É o voto.

 

VOTO

O SR. MINISTRO FRANCIULLI NETTO:

Sra. Ministra-Presidente, ouvi com atenção e voto exatamente no mesmo sentido, dando provimento ao recurso especial, porque entendo que a hipótese de incidência não pode ser a contratada, mas sim a energia realmente consumida.

VOTO-VISTA

EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO PEÇANHA MARTINS:

Pedi vista dos autos para melhor examinar a questão relativa à incidência ou não de ICMS sobre energia elétrica reservada, matéria nova. A ilustre Min. Relatora, confrontando os acórdãos divergentes, situou, com precisão a questão, decidindo-a com primorosa síntese.

É que o contrato, no direito brasileiro, por si só, não transfere a propriedade, impondo-se a transcrição do título, em se tratando de imóveis, e a tradição, para os móveis. A simples reserva de energia não implica na sua circulação para a usuária. Só com o efetivo consumo é que se transmite a energia, configurando o fato gerador do ICMS.

Acompanho o voto da ilustre Ministra Relatora conhecendo do recurso e deferindo a segurança.

TST - Responsabilidade subsidiária entre dono da obra e empreiteira. Inexistência.

 

NÚMERO ÚNICO PROC: RR - 1863/1997-006-17-00

PUBLICAÇÃO: DEJT - 25/09/2009        

A C Ó R D Ã O 

(Ac. 1ª Turma)

RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. DONO DA OBRA.   Nos termos da diretriz contida na Orientação Jurisprudencial nº 191 da SBDI-1 do TST: Diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.  Assim, deve ser reformado o acórdão regional que dissente da jurisprudência pacífica do Tribunal Superior do Trabalho.

Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1863/1997-006-17-00.1 , em que é Recorrente  COMPANHIA SIDERÚRGICA DE TUBARÃO - CST  e Recorrido  SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO CIVIL, MONTAGEM, ESTRADA, PONTE, PAVIMENTAÇÃO E TERRAPLANAGEM SINTRACONST.

O 17º Tribunal Regional do Trabalho, no acórdão às fls. 572-577, negou provimento ao recurso ordinário da reclamada, rejeitando a preliminar de ilegitimidade ativa do Sindicato-autor. Manteve, também, a sentença quanto à condenação subsidiária da segunda reclamada. Quanto ao recurso ordinário do reclamante, deu-lhe provimento parcial para, reformando a sentença de origem, deferir os honorários advocatícios, com base nos arts. 20 do CPC e 133 da Constituição da República.

Diante dessa decisão, a reclamada opôs embargos de declaração a fls. 579-583, que foram acolhidos para esclarecimentos no acórdão a fls. 589-591.

Inconformada, a reclamada interpõe o presente recurso de revista a fls. 594-615, suscitando a nulidade do julgado regional por negativa de prestação jurisdicional, com a indicação de violação dos arts. 535, inciso I, do CPC e 5º, inciso LV, da Constituição da República. Sustenta a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam do sindicato-autor. Quanto ao mérito, persegue sua absolvição quanto à condenação subsidiária ao pagamento dos créditos dos substituídos, invocando violação dos arts. 5º, inciso II, da Constituição da República; 896 do pretérito Código Civil e 455 da CLT. Por fim, pontua a inviabilidade do deferimento dos honorários advocatícios em favor do Sindicato que atua na qualidade de substituto processual.

O recurso foi admitido pela decisão singular a fls. 618-619, não merecendo contrariedade.

Dispensada a remessa destes autos ao Ministério Público do Trabalho, à míngua de interesse público a tutelar.

É o relatório que, lido em sessão, adoto.

V O T O

1. CONHECIMENTO 

Presentes os pressupostos de admissibilidade concernentes à tempestividade (fls. 592 e 594) e à representação processual (fl. 188) e ao preparo (fls. 539 e 616), passa-se ao exame dos pressupostos específicos de admissibilidade.

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. DONO DA OBRA

Deixo de analisar a preliminar de nulidade do julgado regional por negativa de prestação jurisdicional, bem como os demais temas articulados no recurso, porquanto o julgamento meritório é favorável à recorrente.

A Corte Regional, negando provimento do recurso ordinário da reclamada, manteve a sentença quanto à condenação subsidiária, assim fundamentando, às fls. 576-577,  verbis :

Da responsabilidade subsidiária.

A responsabilidade subsidiária deflui do simples fato da reclamada ter se utilizado da força de trabalho do empregado e a culpa  in eligendo  e in vigilando  é presunção  iuris et de iuri , independendo de qualquer prova, sendo certo que os custos financeiros somente afetarão a empresa assim condenada na hipótese de inadimplemento dos devedores principais, hipótese em que se exsurgirá a inidoneidade financeira dos mesmos e aculpa  in eligendo  terá a caracterização total.

Observe-se que na hipótese das empresas principais serem absolutamente idôneas financeiramente e honradoras de seus compromissos nenhum prejuízo haveria para a recorrente, falecendo-lhe, até, interesse processual no presente recurso.

A decisão encontra-se em consonância com o En. 331 do C. TST e não viola nenhum dispositivo legal, muito menos o genérico art. 5º, II da Constituição Federal.

Na decisão que equacionou os embargos de declaração interpostos pela reclamada (fls. 590-591), a Corte de origem afastou a alegada condição de dono da obra,  verbis:

O entendimento desta Corte é no sentido de que é indiferente o fato de ser dono da obra ou não, pois sempre que é contratada empresa para prestação de serviços surge automaticamente a responsabilidade subsidiária em caso de inadimplemento das verbas trabalhistas. Saliente-se, ainda, que tal entendimento encontra-se em perfeita consonância com o princípio de proteção ao trabalhador, informador vital do direito do trabalho.

Em razões do recurso de revista, a reclamada insurge-se contra a decisão regional, asseverando ser dona da obra, nos moldes do art. 334 do CPC e da Orientação Jurisprudencial nº 191 da Subseção 1 da Seção Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, porquanto os substituídos foram contratados para realizar obra certa junto à primeira reclamada, a fim de expandir sua unidade industrial, o que demonstra não haver previsão legal para condenação subsidiária. Entende ser inaplicável a Súmula nº 331 do TST e aduziu violados os arts. 5º, II, da Constituição da República, 896 do pretérito Código Civil e 455 da CLT.

Da leitura infere-se que o  decisum a quo  declarou a responsabilidade subsidiária da segunda reclamada, baseado nas culpas  in eligendo  e  in vigilando  da contratante, bem como no fato de a empresa ter sido beneficiada com a força de trabalho do reclamante, considerando irrelevante tratar-se de dona da obra, qualidade ostentada pela Companhia Siderúrgica de Tubarão   CTS expressamente admitida na decisão regional proferida em sede de embargos de declaração.

Nesse particular, contudo, a decisão hostilizada contraria a diretriz da Orientação Jurisprudencial nº 191 da SBDI-1 desta Corte Superior, que assim dispõe:

DONO DA OBRA. RESPONSABILIDADE (inserida em 08.11.2000)Diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.

Dessarte, não se tratando, na hipótese dos autos, de terceirização de atividade referida na Súmula nº 331, IV, do TST, mas sim de contrato de construção de obra e fornecimento de equipamentos, sendo a recorrente dona da obra, e não empresa tomadora de serviços terceirizados, forçoso reconhecer que houve má-aplicação desse Verbete Sumular, uma vez que a questão relativa à responsabilidade do dono da obra encontra-se regulada pela Orientação Jurisprudencial nº 191 da SBDI-1 desta Corte Superior, segundo a qual não há previsão legal para a condenação do dono da obra como responsável solidário pelo débito de empreiteira e subempreiteira.

Destaque, ainda a favor da tese recursal, que a própria Corte Regional admite que as empresas contratadas não são financeiramente inidôneas, não se justificando, portanto, em qualquer circunstância, a condenação subsidiária do dono da obra.Com tais fundamentos, CONHEÇO  do recurso de revista por contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 191 da SBDI-1 do TST.

 

2. MÉRITO

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. DONO DA OBRA

No mérito, conhecido o recurso de revista por contrariedade à Orientação Jurisprudencial nº 191 da SBDI-1 do TST, DOU-LHE PROVIMENTO  para, reformando o acórdão recorrido, absolver da condenação a recorrente Companhia Siderúrgica de Tubarão   CST, ficando prejudicado o exame dos demais temas.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, vencido o Exmo. Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Relator, conhecer do recurso de revista interposto pela reclamada, por contrariedade à  Orientação Jurisprudencial nº  191 da SBDI-1, e, no mérito, dar-lhe provimento para absolver da condenação a Companhia Siderúrgica de Tubarão   CST, ficando prejudicado o exame dos demais temas. Redigirá o acórdão o Exmo. Ministro Walmir Oliveira da Costa.

Brasília, 16 de setembro de 2009.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)    

WALMIR OLIVEIRA DA COSTA     REDATOR NIA:4915432

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

TJRS - Informações de dados e identificação de remetente de correio eletrônico potencialmente danoso. Possibilidade

 

AÇÃO CAUTELAR. INFORMAÇÕES DE DADOS E IDENTIFICAÇÃO DE REMETENTE DE CORREIO ELETRÔNICO POTENCIALMENTE DANOSO.

1. Legitimidade passiva. Possível exigir-se da ré, Microsoft do Brasil (MS Brasil), a prestação de informações referentes ao remetente de e-mail potencialmente danoso, ainda que o respectivo serviço seja gerenciado por sua sócia majoritária, Microsoft Corporation, com sede nos EUA. Se empresa brasileira aufere diversos benefícios quando se apresenta ao mercado de forma tão semelhante a sua controladora americana, deve também, responder pelos riscos de tal conduta.

2. Aquele que é ofendido em mensagem eletrônica anônima, para preservar direitos personalíssimos, pode ter acesso aos dados de identificação de quem a emitiu. Correspondência que, em tese, se constitui em prática ilegal e, em princípio, até por seu caráter anônimo, não se encontra protegida por qualquer espécie de sigilo.

PRELIMINAR REJEITADA. NEGADO SEGUIMENTO AO APELO.

 

APELAÇÃO CÍVEL

 

DÉCIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70025903980

 

COMARCA DE PORTO ALEGRE

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

André Eckel ajuizou medida cautelar inominada contra Microsoft Informática Ltda., alegando que foi agredido mediante circulação de correio eletrônico, considerando seu conteúdo difamatório e calunioso. Disse que a mensagem partiu do usuário do endereço eletrônico vitória_w@hotmail.com., sendo que o texto seria anônimo, pois foi assinado pelas siglas “V.W.”. Assim, para preservar seu nome, requereu que a identificação do remetente da mensagem e seu IP (Internet Protocol), bem como o bloqueio e a circulação dessa correspondência eletrônica.

O juízo a quo, conforme sentença de fls. 104/109, julgou procedente a demanda, afastando a preliminar de ilegitimidade passiva, porque a empresa requerida mantém estreita relação com a suposta gestora do serviço atacado, e, no mérito, afirmou que o princípio constitucional da vedação ao anonimato prevalece sobre o princípio da inviolabilidade da correspondência no caso concreto, confirmando a liminar anteriormente deferida, para obrigar a ré ao fornecimento dos dados cadastrais de identificação do autor da mensagem original, inclusive os dados do aparelho onde ela foi elaborada, bem como para determinar a proibição de veiculação dessa mensagem, determinando o bloqueio de sua veiculação através da rede gerenciada pela empresa demandada. Esta foi condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 760,00, corrigidos monetariamente pelo IGP-M desde o ajuizamento da ação até o efetivo pagamento.

Em razões de recurso, às fls. 116/156, a ré sustenta que a sentença merece ser revertida. Preliminarmente, diz que o fato de manter relação com a Microsoft Corporation e ter se comprometido em endereçar ofício a ela, não a faz responsável pelo provedor Hotmail, nem a transforma na detentora de tais informações, que ficam armazenadas na sede da Microsoft Corporation. Que esta estreita relação decorre de a Microsoft americana ser uma das sócias da Microsoft Informática brasileira, mas não serve para avalizar que uma assuma a responsabilidade de outra, pois o contrato social da apelante demonstra que são pessoas jurídicas distintas e com atribuições comerciais diferentes. No mérito, diz que o sigilo de dados somente não pode ser violado simples confronto de princípios, impondo-se a existência de procedimento judicial próprio, normatizado pela Constituição Federal (art. 5º, XII). Aduz que o serviço de correio eletrônico é prestado direta e unicamente pelo Microsoft Corporation, com o que não possui nenhuma ingerência, forma de controle ou acesso aos dados relacionados ao serviço de mensagens eletrônicas gratuitas, encontrando-se impossibilitada tecnicamente de resgatar os dados de mensagens trafegadas, dependendo para isso de consentimento da empresa americana, que é proprietária dos provedores e prestadora dos serviços de Hotmail. Declara que há conflito de normas no espaço, pois de acordo com os termos da legislação norte-americana, que protege os interesses dos usuários de serviço de comunicação eletrônica, é proibida a divulgação dos dados cadastrais e de conteúdo das mensagens trafegadas na internet, razão pela qual quaisquer informações somente poderão ser fornecidas mediante requisição especifica direcionada à Microsoft Corporation e emitida pela autoridade competente daquele país. Alega que, de acordo com o Direito Internacional Privado, em que a interpretação da diretriz contida na Lei de Introdução ao Código Civil (art. 9, § 2º), afasta a obrigatoriedade de atender a pretensão do apelado, uma vez que a lei a ser aplicada ao caso seria a da residência do proponente, nesse caso a Microsoft Corporation. Alega que mesmo que fosse a apelante responsável pelo Hotmail, não seria possível o cumprimento de parte das atribuições constantes na sentença, pois estas se tratam de atribuições exclusivas dos provedores de internet e não de provedores de e-mail, pois a estes é possível apenas o fornecimento das informações relativas aos IP’s de acesso, sendo impraticável a obtenção de informações sobre a identidade do usuário e da maquina utilizada pelo mesmo, não tendo a apelante condições técnicas para fornecer todas informações determinadas, o que torna o comando judicial exarado na sentença, ao menos em parte, inexeqüível em relação à recorrente.

O autor, às fls. 161/162, em petição de cumprimento de sentença protocolizada na origem, requereu a intimação da ré para que cumprisse a condenação imposta, pois teve sua liminar deferida, sem haver qualquer manifestação por parte da ré em cumprir a ordem, devendo ser fixada multa diária no valor de R$ 1.000,00 para o descumprimento, e também do pagamento espontâneo da sucumbência, sob pena de multa.

Em contra-razões, às folhas 165/174, o autor rebate os termos do recurso e pede seu não-provimento.

Descabido, à folha 177, o pedido de cumprimento de sentença de fls. 161/162, pois o feito não transitou em julgado, segundo decisão de primeiro grau.

O autor, às folhas 184/188, agora em petição protocolizada no Tribunal, diz que foi deferida liminar nos termos pretendidos, sendo seu conteúdo confirmado por sentença e ratificada pelo Tribunal de Justiça no julgamento de agravo de instrumento interposto contra aquela decisão, mas ainda não foi cumprida. Que a ordem posta continua produzindo efeitos, pois não houve qualquer atribuição de efeito suspensivo. Requer a fixação de multa diária de R$ 5.000,00 ou outro valor que seja proporcional ao tempo de descumprimento e ao desamparo que o autor vem sofrendo.

É o relatório.

De início, quanto à preliminar de ilegitimidade passiva, cumpre rejeitá-la, pois, embora a apelante (Microsoft Informática Ltda) efetivamente não seja a mesma pessoa jurídica responsável pelo gerenciamento do provedor hotmail (Microsoft Corporation), o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que se a “empresa brasileira aufere diversos benefícios quando se apresenta ao mercado de forma tão semelhante a sua controladora americana, deve também, responder pelos riscos de tal conduta”, sendo similar o caso dos autos, em que esta (Microsoft Corporation) é sua sócia majoritária, conforme documentos sociais de fls. 44/56.

Vejamos:

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. RETIRADA DE PÁGINA DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. CONTEÚDO OFENSIVO À HONRA E À IMAGEM. ALEGADA RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE CONTROLADORA, DE ORIGEM ESTRANGEIRA. POSSIBILIDADE DA ORDEM SER CUMPRIDA PELA EMPRESA NACIONAL.

1. A matéria relativa a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor à espécie não foi objeto de decisão pelo aresto recorrido, ressentindo-se o recurso especial, no particular, do necessário prequestionamento. Incidência da súmula 211/STJ.

2. Se empresa brasileira aufere diversos benefícios quando se apresenta ao mercado de forma tão semelhante a sua controladora americana, deve também, responder pelos riscos de tal conduta.

3. Recurso especial não conhecido.

(STJ. Resp nº. 1021987/RN. Quarta Turma. Relator Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 07/10/2008, publicado em 09/02/2009).

Ademais, a legitimidade passiva da ré também se fundamenta na estreita relação que mantém com a Microsoft Corporation, o que se mostra ainda mais evidente quando afirma que pode enviar-lhe ofício, a fim de satisfazer o cumprimento das medidas postuladas.

A jurisprudência da Corte também já se pronunciou sobre a possibilidade do cumprimento dessas obrigações pela Microsoft do Brasil, ainda que os serviços de e-mail sejam gerenciados pela Microsoft Corporation, com sede nos Estados Unidos da América:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. LIMINAR EM AÇÃO CAUTELAR PROPOSTA CONTRA MICROSOFT DO BRASIL. FORNECIMENTO DE DADOS SOBRE ACESSO INDEVIDO EM ENDEREÇO ELETRÔNICO E EM CONTA DE MSN. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA MEDIDA. DESCABIMENTO. 1.Cabível exigir-se da ré, Microsoft do Brasil (MS Brasil), que preste as informações referentes a acesso indevido em endereço eletrônico (Hotmail) e conta MSN. Alegação de que tais serviços são disponibilizados e geridos apenas pela empresa matriz ¿ Microsoft Corporation ¿ com sede nos EUA (da qual se poderia exigir os dados correspondentes) que não se sustenta. Empresas parceiras e do mesmo grupo, não calhando a alegação da empresa nacional, de que não tem acesso às informações, mormente porque oferece inclusive suporte técnico em seu site para os serviços de Hotmail e MSN. (...). (Agravo de Instrumento Nº 70021369988, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Orlando Heemann Júnior, Julgado em 08/11/2007).

Rejeito, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva.

No mérito, penso que a sentença deva ser integralmente mantida, pois aplicou o direito incidente na espécie, motivo pelo qual adoto seus fundamentos como razão de decidir. Cumpre transcrevê-los:

Restou documentalmente comprovado que o autor sofreu imputações em decorrência de atitude de pessoa que optou por ocultar-se no anonimato, fato este que consolida plenamente a pretensão do requerente em ter acesso às informações do remetente da mensagem que lhe ofende.

Não há que se falar em inviolabilidade do sigilo de dados, eis que no caso em tela, o autor demonstrou ter sofrido agressões injustas à sua imagem. Tais agressões dirigidas ao requerente são decorrentes de uma suposta agressão que o mesmo teria provocado em uma jovem, porém não há nos autos sequer indícios da veracidade do todo alegado.

Ao passo que a Constituição Federal protege o sigilo de dados, a mesma em ser art. 5º, inciso IV veda de forma plena o anonimato, não podendo o Poder Judiciário ser condizente com atitudes ofensivas prolatadas por pessoas que se refugiam no anonimato, devendo o princípio da vedação ao anonimato prevalecer sempre sobre o princípio da inviolabilidade da correspondência, visando resguardar, desta forma, a dignidade da pessoa humana.

Visando corroborar tal entendimento, transcrevo fragmento da irretocável decisão exarada às fls. 13/15, como segue:

“(...) o acesso aos dados de identificação de quem emitiu a mensagem é direito que assiste ao requerente, assim como o trancamento de sua veiculação.

Ora, estamos diante de prática delituosa, fato que, por si só, já permite a possibilidade de investigação regular acerca dos fatos, inclusive na seara policial.

Some-se a isso, o fato de que se trata de mensagem anônima, sabidamente prática vedada pela nossa Carta Magna – art. 5º, IV, da Constituição Federal. (...)”.

Nesse sentido, a jurisprudência já assentou que se faz necessário a vedação ao anonimato, colaciono:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CAUTELAR INOMINADA. RESPONSABILIDADE CIVIL. AUTORIA DE MENSAGEM OFENSIVA ENVIADA VIA CORREIO ELETRÔNICO. POSSIBILIDADE DE PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA EM AÇÃO CAUTELAR. PERICULUM IN MORA E VEROSSIMILHANÇA EVIDENCIADOS. IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. JUÍZO DE VALORAÇÃO. VEDAÇÃO AO ANONIMATO E INVIOLABILIDADE DA HONRA. 1. Verifica-se que a ré participa do mesmo grupo econômico que a empresa sediada nos EUA, além de se apresentar ao consumidor de maneira idêntica à empresa Google americana, que é a proprietária do Gmail. Assim, não procede a sua alegação de impossibilidade de ser destinatária de determinações referentes ao mencionado sítio eletrônico. 2. Os autores, nos autos da ação cautelar, em sede de antecipação de tutela, tiveram provido pedido de fornecimento de dados referentes à mensagem eletrônica. A decisão agravada não esgotou o mérito da futura ação principal, sendo possível, desse modo, o deferimento da medida, porque apenas reconhece a existência de forte verossimilhança e urgência do direito invocado pelos autores neste processo cautelar. 3. É possível a antecipação do pedido, ultrapassado o óbice da irreversibilidade, dada as peculiaridades do caso, pela aplicação do princípio da proporcionalidade. 4. O artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal só prevê a obrigatoriedade de prévia instauração de investigação criminal ou instrução processual penal para os casos de revelação de conteúdo de ligações telefônicas, não sendo esse óbice extensível a dados em geral. Ademais, na verdade, a garantia prevista no mencionado inciso não é absoluta, devendo ser sopesada com outros princípios constitucionais, tais como aqueles previstos nos inciso IV, X e XIV do artigo 5º. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70018500991, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 11/04/2007).

EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. INVIOLABILIDADE DE SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO COM VEDAÇÃO DO ANONIMATO. APARENTE CONFLITO DE GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. É de prevalecer o princípio da livre manifestação nominada em detrimento do sigilo de correspondência. Caso em que a demandante recebeu e-mail denegrindo sua imagem perante a sociedade e seus clientes, não podendo a remetente aproveitar-se de garantias constitucionais para violar disposições legais que afrontam direito de outrem. DERAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70018930461, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 30/05/2007).

Por tenho por acolher as alegações deduzidas pelo autor, como forma de resguardar a dignidade da pessoa humana, frente as injustas agressões dirigidas à sua pessoa.

Nada mais precisaria ser dito, considerando que a apelante não trouxe argumentos suficientes para quebrar a lógica recursal. De qualquer forma, cumpre destacar que, ao contrário do que sustentou a ré, quando o debate envolve princípios, impõe-se, efetivamente, a respectiva ponderação para identificar-se, no caso concreto, qual deve preponderar. Na hipótese, aliás, penso que o referido conflito entre os princípios da vedação ao anonimato e do sigilo da correspondência deve pender para o lado daquele, considerando, justamente, que a garantia estabelecida neste (sigilo) não poderia ser estendida ao autor de texto anônimo, especialmente quando este (no caso, o usuário do endereço eletrônico vitória_w@hotmail.com.) imputa ao demandante a prática de ato ilegal e moralmente agressivo. Pensar de modo diverso significaria, inclusive, restringir a possibilidade da defesa do seu direito personalíssimo, de postular, na forma do art. 12, do Código Civil em vigor, que cesse a respectiva ameaça ou lesão.

Já me manifestei sobre o assunto por ocasião do julgamento do agravo de instrumento interposto contra a decisão que deferiu a medida liminar. Vejamos a respectiva ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MEDIDA CAUTELAR INOMINADA. MENSAGEM DIFAMATÓRIA ANÔNIMA DIVULGADA NA INTERNET. SERVIÇO ¿HOTMAIL¿. IDENTIFICAÇÃO DO AUTOR. CESSAÇÃO DA CIRCULAÇÃO. CABIMENTO. Há direito líquido e certo, por parte do agravado, a ter acesso aos dados de identificação de quem emitiu mensagem ofensiva a sua pessoa, o que se constitui em prática ilegal e, em princípio, até por seu caráter anônimo, não protegido por qualquer espécie de sigilo. (...). AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70020822540, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 25/10/2007).

Quanto às alegações de que haveria confronto de leis no espaço, em razão de óbice jurídico para a apresentação dos dados solicitados no direito norte-americano, cumpre dizer que a parte não demonstrou tal óbice, já que caberia a ela tal ônus, justamente por se tratar de matéria capaz de, em tese, desconstituir o direito do autor. Em caso diverso, porque tratava de questão diferente e sobre direito municipal, mas aplicável por analogia, assim já se pronunciou essa Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ DO SUL. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. NECESSIDADE DE LEI LOCAL A REGULAMENTAR ESPECIFICAMENTE A CONCESSÃO DO ADICIONAL. Ônus da prova da legislação municipal é da parte que alega o direito (art. 337, do CPC). Necessária obediência ao princípio da legalidade estrita. A concessão de vantagens ao funcionalismo público não pode prescindir de lei local específica, expressamente prevendo a despesa a ser gerada para alcançar o benefício. Precedentes jurisprudenciais. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70022225718, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, Julgado em 26/06/2008).

Trata-se da hipótese excepcional em que se exige da parte a prova do direito alegado, consoante art. 337, do Código de Processo Civil. Ademais, para o correto deslinde da alegação, caberia a parte trazer a legislação no vernáculo, segundo art. 156, do Código de Processo Civil.

Ora, se o recorrente pretendia que tal alegação fosse enfrentada especificamente pela Corte, deveria ter trazido a legislação estrangeira (Eletronic Communications Privacy Act of 1986, § 2702) supostamente conflitante com nosso ordenamento. E mais, deveria promover a respectiva tradução, por tradutor juramentado, diga-se de passagem. Não o fazendo, essa matéria perde relevância, ainda mais quando a própria legislação estrangeira admite exceções à proibição da divulgação de dados cadastrais e de conteúdo das mensagens trafegadas na internet. Nesse contexto, não se poderia aventar-se a respeito da aplicação da legislação norte-americana ao caso dos autos.

Quanto à alegação da ré de que parte da sentença seria inexeqüível, penso há inovação em sede recursal. A apelante sustentou que nem mesmo a Microsoft Corporation poderia fornecer informações relativas ao IP (Internet Protocol) para a obtenção da identidade do usuário e da máquina utilizada, na medida em que tais dados somente poderiam ser fornecidos por provedor de internet, não sendo o caso, já aquela é provedor de e-mail.

Essa matéria deveria ter sido alegada em contestação, mas não o foi, havendo preclusão para a parte. Aliás, a toda evidência, sua demonstração dependeria de prova técnica a respeito, não sendo possível considerá-la de conhecimento comum.

Por fim, no que tange ao pedido de fixação de multa por descumprimento, penso que caberia à parte formulá-lo em recurso próprio, já que constou na petição inicial e a sentença nada dispôs a respeito. Por outro lado, caso a decisão não seja efetivamente atendida, nada impede que a parte o renove na origem, quando do cumprimento da sentença.

Diante do exposto, estou em REJEITAR a preliminar e NEGAR SEGUIMENTO ao apelo, consoante art. 557, caput, do Código de Processo Civil.

Intime-se.

Porto Alegre, 16 de junho de 2009.

 

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA,

Relator.