quinta-feira, 3 de novembro de 2011

TJRS–Desconto indevido no contra-cheque gera dever de indenizar

 

APELAÇÃO CÍVEL. DECISÃO MONOCRÁTICA. RESPONSABILIDADE CIVIL.

1. DESCONTOS INDEVIDOS NO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DA AUTORA. EMPRÉSTIMO. AUSÊNCIA DE CONTRATAÇÃO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. ATO ILÍCITO CARACTERIZADO. danos morais presumidos.

A pessoa jurídica deve se responsabilizar pelos prejuízos causados a terceiros em razão da sua atividade: este é o risco do negócio.

2. VALOR DA REPARAÇÃO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. MAnutenção.

3. danos morais. juros de mora e correção monetária. termo de incidência. data da fixação do valor.

4. danos materiais. juros de mora no índice de 1% ao mês, a contar da citação, e correção monetária pelo igpm desde a data do efetivo desembolso.

RECURSOS DESPROVIDOS.

 

Apelação Cível

 

Nona Câmara Cível

 

Nº 70045784642

 

Comarca de Santa Maria

 

BANCO MATONE S/A

 

APELANTE/RECORRIDO ADESIVO

NORMA RODRIGUES DA SILVA

 

RECORRENTE ADESIVO/APELADO

 

DECISÃO MONOCRÁTICA

Vistos.

Trata-se apelação interposta por BANCO MATONE S/A e recurso adesivo interposto por NORMA RODRIGUES DA SILVA, nos autos da ação de indenização por danos materiais e morais que move esta em desfavor daquela instituição financeira, contra sentença que decidiu nos seguintes termos:

 

DIANTE DO EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE a presente ação para o efeito de:

 

·         Deferir a antecipação de tutela, considerando a decisão proferida nesta oportunidade e a evidência do prejuízo gerado pelo desconto indevido, determinando a cessação imediata do desconto, sob pena de multa diária no valor de R$ 500,00;

·         Condenar a requerida ao pagamento da importância de R$ 7.000,00 (sete mil reais) a título de danos morais. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, nos termos da Súmula 362 do STJ, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, ambos a contar da presente data. Com relação à data de início da incidência dos juros de mora, entendo que o parâmetro acima se justifica, porquanto para fixação do quantum indenizatório foram sopesadas todas as variáveis possíveis que influenciariam no arbitramento, mormente a data do fato e a duração do trâmite processual;

·         Determinar a restituição das parcelas comprovadamente descontadas no benefício previdenciário da autora, referentes a um empréstimo com o Banco Matone, com prazo de 60 meses, no valor de R$ 134,12 cada parcela.

 

Em razão da sucumbência da empresa ré, condeno-a ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da autora, que fixo em 20% sobre o valor da condenação, o que faço com supedâneo no art. 20, §§3º e 4º, do CPC.

 

Inconformado, o banco réu interpôs recurso de apelação alegando que firmou contrato com o autor e que o valor do financiamento teria sido creditado na conta-corrente do Banco do Brasil, de titularidade da parte autora. Disse que o contrato juntados aos autos era o contrato que teria dado origem aos descontos de R$ 134,12, pois não teria sido possível o desconto do montante integral da parcela diretamente no contracheque do autor ante a limitação dos 30%. Referiu a identidade entre os documentos apresentados pelo autor e aqueles juntados com o contrato. Destacou que a empresa SABEMI não fazia parte da contratação, tendo agido apenas como capctadora do cliente. Asseverou a ausência de prova acerca dos danos morais supostamente sofridos. Pediu a minoração do quantum indenizatório, bem como a modificação do termo de incidência dos juros de mora e da correção monetária para a data da decisão. Pleiteou provimento.

A apelada apresentou contrarrazões pugnando fosse negado provimento ao apelo.

Ainda, a parte autora recorreu adesivamente requerendo a majoração do valor fixado a título de reparação por danos morais. Solicitou a incidência de juros de mora conforme a taxa média de mercado e de correção monetária pela comissão de permanência sobre os danos materiais. Pediu provimento.

O banco réu contra-arrazoou o recurso adesivo.

Subiram os autos a este Tribunal.

Após distribuição por sorteio, vieram conclusos.

É o relatório.

 

Decido.

 

Analiso, conjuntamente, ambos os recursos.

 

1. Responsabilidade Civil pelo Fato do Serviço. Teoria do Risco. Arts. 14 do CDC e 927, parágrafo único, do CC.

A responsabilidade por defeitos no fornecimento de serviços está estatuída no art. 14 do CDC e decorre da violação de um dever de segurança, pois não oferece a segurança que o consumidor esperava. Consta do caput: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços (...). É objetiva portanto, porquanto independe da existência de culpa.

A responsabilidade, nestes casos, somente é afastada quando não se fazem presentes dano efetivo e nexo causal – já que a culpa resta excluída.

Afora isso, este artigo determina que o encargo de demonstrar que o serviço não foi prestado de forma defeituosa é da própria prestadora de serviços, tendo este diploma legal adotado a Teoria do Risco, também presente na norma do art. 927, parágrafo único, do CC.

Segundo Bruno Miragem, na obra Direito do Consumidor[1]:

 

“(...)

No direito do consumidor, seja pela posição negocial ocupada pelo fornecedor – responsável pela reparação dos danos causados – ou mesmo pelo aspecto econônimo que envolve a relação de consumo no mercado de consumo -, o fundamento essencial do regime de responsabilidade objetiva do fornecedor é a teoria do risco-proveito. Ou seja, responde pelos riscos de danos causados por atividades que dão causa a tais riscos aqueles que a promovem, obtendo dela vantagem econômica. Trata-se, no caso, da distribuição dos custos que representam os riscos causados pela atividade de fornecimento de produtos e serviços no mercado de consumo. (...)”

 

Saliento, ainda, que obviamente o que se imputa à parte demandada não se trata de um ato ilícito doloso. Não há o elemento “vontade”.

 

2. Inversão do Ônus da Prova Decorrente de Lei. Ope Legis.

Refiro que é caso em que a referida inversão do ônus da prova se dá de maneira ope legis, diferente daquela estabelecida no art. 6º, VIII do mesmo diploma legal, ante a própria regra do art. 14 do CDC.

Assim, o ônus de provar a existência da dívida era da própria parte demandada, seja por aplicação simples das normas que distribuem a carga probante dentro do processo, art. 333 do Código de Processo Civil, seja pela aplicação das normas consumeristas.

 

3. Fatos.

Conforme se depreende dos autos, a autora teve descontado em seu benefício previdenciário parcelas de empréstimo sem que houvesse prova da existência daquela contratação, especificamente. E tal prova cabia à instituição financeira ré, pois impossível impor-se a incumbência da realização de prova negativa do débito à parte autora.

A demandante cumpriu com o determinado pelo art. 333, inciso I, do CPC realizando a prova do fato constitutivo do seu direito quando juntou aos autos comprovante de que os descontos realmente estavam sendo efetivados (fl. 21).

Já o banco apelante não realizou a prova de fato constitutivo, impeditivo ou modificativo do direito do autor, exegese do art. 333, inciso II, do CPC.

A parte ré poderia ter trazido aos autos os documentos que comprovassem a efetividade da contratação do empréstimo, bem como da existência da dívida que originou a inscrição em rol de inadimplentes, porém assim não o fez.

O contrato juntado com a contestação é diverso daquele pela qual a autora estava sendo cobrada, pois firmado em 2005, no prazo de 48 meses, no valor de R$ 150,14 (fls. 46/47). Já as cobranças realizadas no benefício da autora iniciaram em fevereiro de 2010, no valor de R$ 134,17, sendo referentes a um contrato com prazo de 60 meses (fls. 21/23).

Pois bem, inexistente o débito, não há falar na licitude da inscrição, pois se a dívida nem mesmo existe, em razão disso, por si só, o cadastramento já se torna ilícito.

Inocorrente a prova da contratação e, por óbvio, da dívida, constatado, portanto, o ato ilícito.

 

4. Danos Morais. Desconto indevido em benefício previdenciário.

Em casos como este, de realização de descontos indevidos diretamente no benefício previdenciário da parte autora, sem que, ao menos, restasse comprovada qualquer contratação entre as partes, como há muito vem sendo decidido por esta Corte, o dano moral resulta simplesmente da ocorrência do fato, consubstanciado na realização do desconto indevido.

As conseqüências danosas resultantes de ter o valor do benefício previdenciário diminuído são de todos conhecidas, e independem de ter concretamente atingido a esfera patrimonial da parte autora, ainda mais quando se trata de pessoa aposentada.

Trata-se de hipótese típica de dano in re ipsa. Provado o fato básico, isto é, o ponto de apoio da pretensão, provado está o dano, suporte fático do dever de reparar.

São situações que se inferem da convivência societária natural, a qual prima pelo respeito à dignidade dos cidadãos.

Neste sentido a jurisprudência do STJ: AgRg no Ag 1149294/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/05/2011, DJe 18/05/2011; AgRg no Ag 1152175/RJ, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 11/05/2011.

É com base nesses argumentos que afirmo que a parte ré deve indenizar a parte autora.

 

5. Valor da Reparação por Danos Morais. Critérios de Fixação.

É de ser admitido, na apreciação do valor indenizatório, o caráter expiatório da reparação moral, como diminuição imposta ao patrimônio do réu pela indenização paga ao ofendido.

À falta de medida aritmética, e ponderadas as funções satisfatória e punitiva, serve à fixação do montante da indenização o prudente arbítrio do juiz, ponderado por certos requisitos e condições, bem como características da vítima e do ofensor.

No caso, a indenização a título de reparação de dano moral deve levar em conta não apenas a mitigação da ofensa, mas também atender a cunho de penalidade e coerção, a fim de que funcione preventivamente, evitando novas falhas administrativas.

Com base nestes preceitos, e levando em conta, ainda, os parâmetros normalmente observados por este órgão fracionário, bem como as condições financeiras das partes, entendo justo o montante de R$ 7.000,00 fixado pela sentença.

Tal quantia não se mostra nem tão baixa – assegurando o caráter repressivo-pedagógico próprio da indenização por danos morais – nem tão elevada – a ponto de caracterizar um enriquecimento sem causa, levando-se em conta o fato de o valor estar dentre os parâmetros estabelecidos por esta Câmara.

 

6. Juros de Mora e Correção Monetária. Danos Morais.

Relativamente ao termo inicial para a incidência de juros moratórios e da correção monetária, cabe esclarecer que, na hipótese de reparação por dano moral, esta Câmara tem entendido por fixar como marco inicial a data do julgamento, momento em que houve o arbitramento (no caso, a data da sentença), com base na Súmula n.º 362 do STJ e no entendimento jurisprudencial consolidado no RESP n.º 903.258/RS.

 

7. Danos Materiais. Juros de Mora e Correção Monetária.

Os juros de mora não devem ser aplicados à taxa média de mercado, mas sim no percentual legal de 1% ao mês, desde a data da citação. Já a correção monetária deve incidir no índice do IGPM, contados da data do efetivo desembolso, conforme a exegese da Súmula n.º 54 do STJ. Assim, evita-se que a parte tenha ganho excessivo.

 

DISPOSITIVO

Ante o exposto, nego provimento a ambos os recursos.

Intime-se.

Porto Alegre, 27 de outubro de 2011.

 

 

Desa. Marilene Bonzanini,

Relatora.

 



[1] MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 255.