quarta-feira, 18 de julho de 2012

Compra e venda ad corpus

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA ORAL. CONDUÇÃO DA PROVA. ART. 130 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. compra e venda ad corpus. MERA referência NO contratO CELEBRADO ACERCA DA ÁREA do imóvel transacionado não conduz à conclusão de que a venda se deu ad mensuram. IMPROCEDÊNCIA DO FEITO MANTIDA. NOS TERMOS DO PARÁGRAFO 3°, DO ARTIGO 500 DO CÓDIGO CIVIL, NÃO HAVERÁ COMPLEMENTO DE ÁREA, NEM DEVOLUÇÃO DE EXCESSO, SE O IMÓVEL FOR VENDIDO COMO COISA CERTA E DISCRIMINADA. RECURSO DESPROVIDO.

 

Apelação Cível

 

Décima Sétima Câmara Cível

Nº 70037412426

 

Comarca de Esteio

JOAO CARLOS ZUCCO

 

APELANTE

RITA CARARO

 

APELANTE

OZELIA BORGES RIBEIRO

 

APELADO

 

ACÓRDÃO

 

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras Des.ª Elaine Harzheim Macedo (Presidente) e Des.ª Liége Puricelli Pires.

 

Porto Alegre, 22 de março de 2012.

 

 

DES. LUIZ RENATO ALVES DA SILVA,

Relator.

 

RELATÓRIO

Des. Luiz Renato Alves da Silva (RELATOR)

Trata-se de demanda intitulada como “ação ordinária estimatória cumulada com retenção por benfeitorias” (fl. 02) proposta por João Carlos Zucco e Rita Cararo em desfavor de Ozélia Borges Ribeiro.

Os autores narram, em síntese, na inicial, terem celebrado, em 18/06/1999, com a ré instrumento particular de promessa de compra e venda visando aquisição  de  50%  da  parte  dos  fundos  de  um terreno,  pelo  preço total de R$ 15.000,00. Relatam terem edificado no local sua residência. Alegam que em virtude de erro da ré, no que tange à metragem do terreno, a casa construída avançou 4,5 metros sobre o terreno do vizinho lindeiro, Paulo Rocha de Fraga. Entendem que por esse equívoco caberia abatimento no valor do preço do imóvel. Referem terem pago R$ 9.000,00 deixando de pagar as parcelas restantes. Em antecipação de tutela pretendem manter a posse do imóvel. Invocam direito de retenção do imóvel por benfeitorias.

Sobreveio sentença que julgou extinto o processo, com resolução de mérito, declarando a decadência do direito. Nesses termos, condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, arbitrados estes em R$ 1.500,00, suspensa a exigibilidade em face da concessão de assistência judiciária gratuita.

Contra o decisum irresignaram-se os autores, João Carlos e Rita, mediante apelação (fls. 295-320) dispensada de preparo. Os apelantes referem terem firmado instrumento particular de promessa de compra e venda, em 18/06/1999, para aquisição de 50% de lote de terreno correspondente à parte dos fundos do lote 9, quadra C, na Rua Elvis Presley, n° 186, na Vila Nazareno, em Esteio. Destacam terem acordado a quantia de R$ 15.000,00 como preço total do negócio, a ser paga mediante entrada de R$ 1.000,00, vinte e quatro parcelas mensais de R$ 500,00 e dois reforços de R$ 1.000,00. No entanto, aduzem que observando as especificações do terreno edificaram sua residência, que veio a ser construída avançando 0,45 metros sobre o lote n° 10 que pertence ao vizinho lindeiro. Entendem que o instrumento de promessa de compra e venda induziu que fosse construído o imóvel sobre parte do terreno lindeiro. Afirmam ter realizado o pagamento de R$ 9.000,00 e, em face do problema da dimensão do terreno, deixaram de realizar os demais pagamentos. Narram que a vendedora (apelada) ingressou com execução de título extrajudicial, em face do inadimplemento. Ressaltam que a edificação construída se constitui no único patrimônio dos apelantes. Consideram pertinente o abatimento no valor do preço do imóvel, ou, alternativamente, a devolução de parcelas pagas com retenção de percentual a ser arbitrado, a título de aluguel, bem como retenção por benfeitorias, sob pena de enriquecimento ilícito da apelada, posto que ela vendeu fração do terreno que de fato não lhe pertencia. Preliminarmente, invocam afronta ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Insurgem-se contra a decisão de não terem sido ouvidas as testemunhas arroladas com intuito de colher provas. Entendem que houve cerceamento de defesa, posto que o julgador dispensou a oitiva de testemunhas no momento da audiência de instrução e julgamento e passou a proferir sentença. Requerem a desconstituição da decisão. Referem nulidade da sentença de decadência. Destacam que, nos termos do artigo 501 do Código Civil, a data inicial para contagem do prazo da decadência é o registro do título, o que não ocorreu no caso em tela. Discorrem sobre ação estimatória e dispõem que a solução, no caso concreto, seria o abatimento do preço pago, cabendo ser considerado que o valor pago representa 60% do total contratado. Pretendem a reforma da sentença para que seja declarado o direito dos apelantes ao abatimento do preço do imóvel ou, alternativamente, seja reconhecido e declarado o direito à devolução do valor pago, com correção e atualização monetária desde a data dos desembolso, com retenção de percentual a ser arbitrado a título de fruição do imóvel, ou ainda, que seja reconhecido e declarado direito à retenção do imóvel pelas benfeitorias até o pagamento de indenização pelas benfeitorias, em valor que deve ser apurado em liquidação de sentença, com correção e atualização monetária desde os desembolsos, bem como que haja inversão dos ônus sucumbenciais.

A demandada ofertou contrarrazões às fls. 326-329, pugnando pela manutenção do comando sentencial.

Os autos vieram a este Tribunal, sendo conclusos.

Registro, por fim, que foi observado o previsto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, nos moldes da adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Des. Luiz Renato Alves da Silva (RELATOR)

Adianto que não prosperam as pretensões dos apelantes, ainda que considere ser cabível a reforma da sentença, no que tange à declaração de decadência do direito.

Aprecio, inicialmente, a preliminar de nulidade da sentença em face de cerceamento de defesa.

Saliento que o destinatário da prova é o juiz, sendo que a ele cabe aferir a necessidade da produção das provas úteis ao deslinde da causa. Nos termos do artigo 130 do Código de Processo Civil, compete ao juiz, a condução da prova.

No caso em tela, não há falar em cerceamento de defesa pela não produção de prova testemunhal – a lide versa sobre questão eminentemente de direito, posto que alega que em face de equívoco nas dimensões do terreno no contrato, houve construção de parte da moradia sobre o terreno lindeiro. O julgador de primeiro grau observou ter se implementado prazo decadencial e, dessa forma, dispensou a oitiva das testemunhas. Constata-se, portanto, que a dilação probatória pleiteada pela parte apelante não conduziria a solução diversa.

Assim, não considero configurado cerceamento de defesa, ou afronta ao disposto no inciso LV do artigo 5° da Constituição Federal, hábil a desconstituir a sentença.

Feitas essas considerações, passo à análise dos demais pontos suscitados.

No caso em tela, os autores, João Carlos Zucco e Rita Cararo ajuizaram ação, em desfavor de Ozélia Borges Ribeiro, que restou intitulada como “ação ordinária estimatória cumulada com retenção por benfeitorias” (fl. 02). Da leitura da inicial depreende-se que a pretensão principal dos demandantes é o abatimento do preço do imóvel, em face do equívoco quanto à dimensão do terreno, posto que os demandantes alegam ter  havido erro no contrato que resultou na construção da moradia avançando 0,45 metros sobre o lote n° 10 que pertence ao vizinho lindeiro. Os autores destacam o artigo 500 do Código Civil, que dispõe que: “Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.” Assim, conforme consta na folha 13, item ‘d.1’ dos requerimentos, os demandantes requerem a procedência da ação para “reconhecer e declarar o direito dos autores ao abatimento do preço do imóvel”.

Ocorre que o direito de exigir o complemento da área, ou reclamar a resolução do contrato ou, ainda, abatimento proporcional do preço pago, amparado no artigo 500 do CC e parágrafos 1° e 2°, se aplica quando a negociação tenha se dado como ad mensuram.

No caso em tela, compulsando o contrato de promessa de compra e venda, acostado às fls. 18 e 26, não verifico que a negociação efetuada se configure como ad mensuram.

Apesar de as dimensões da parte do terreno negociada estarem expressas no contrato, as condições do negócio – preço certo pelo bem – afastam qualquer possibilidade de interpretação de que a vontade das partes tenha sido a de negociar o imóvel em razão de sua extensão, ou metragem. Não houve fixação do preço por metro quadrado, o que definiria, sem qualquer dúvida, a venda ad mensuram. Assim, manifestamente não se trata de venda ad mensuram, mas sim ad corpus.

Sendo a venda ad corpus aplica-se o parágrafo 3º do artigo 500 do CC e não os parágrafos 1° e 2°, verbis:

§ 3o Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.

 

Dessa forma, não prospera a pretensão dos autores de obter abatimento do preço.

Nesse mesmo compasso, colaciono precedente jurisprudencial dessa Câmara:

COMPRA E VENDA. VENDA AD CORPUS OU AD MENSURAM. DIFERENCIAÇÃO. A SIMPLES REFERÊNCIA CONTRATUAL À ÁREA SUPERFICIAL DO IMÓVEL TRANSACIONADO NÃO CONDUZ À CONCLUSÃO DE QUE A VENDA SE DEU AD MENSURAM. É PRECISO INVESTIGAR ACERCA DA REAL INTENÇÃO DAS PARTES. PROVA DOS AUTOS CONDUZ À CONCLUSÃO DE QUE SE ESTÁ DIANTE DE COMPRA E VENDA AD CORPUS. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70018318139, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 22/03/2007)

 

Conforme disposto no julgado destacado acima: “Significativa parte da doutrina adotou o entendimento de que as vendas ad corpus representariam a regra geral, sendo, na dúvida da forma como a contratação se realizara, presumível, cabendo à parte que alega sua concretização como sendo venda ad mensuram o ônus da prova, nos termos do art. 333 do CPC. Sem embargo de não se endossar esse entendimento, quando controvertida a questão da fixação do preço, o que se revela importante é o exame de todos os elementos que circunstanciaram a transação efetuada.”

Sopesadas as circunstâncias do caso concreto, tenho que nada corrobora a tese da venda ser ad mensuram.

Nesses termos, tenho que cumpre ser mantido, por fundamento diverso (amparado no parágrafo 3° do artigo 550 do CC), o julgamento do feito, com resolução de mérito, para considerar improcedente a ação.

Outrossim, mantenho os ônus sucumbenciais exatamente conforme fixados na sentença.

Por oportuno, destaco a seguinte ementa:

EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXCESSO. INOCORRÊNCIA. ARRENDAMENTO RURAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ÁREA MENOR DO QUE A REFERIDA NO CONTRATO. COBRANÇA DO SALDO DEVEDOR. PRETENSÃO DE ABATIMENTO PROPORCIONAL DO PREÇO. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. VENDA AD CORPUS. DIMENSÕES DO IMÓVEL MERAMENTE ENUNCIATIVAS. PRÉVIO CONHECIMENTO DO IMÓVEL. SENTENÇA MANTIDA POR OUTROS FUNDAMENTOS. 1. Em se tratando de venda de imóvel com área menor do que a prevista no contrato, o prazo para postular seja a redibição do negócio (ação redibitória), seja o abatimento proporcional do preço (ação estimatória ou quanti minoris), é aquele específico, previsto no art. 501 do CC, e não o prazo genérico previsto para os vícios redibitórios, do art. 445 do CC. 2. O contrato de promessa de compra e venda entabulado entre as partes envolve um imóvel de 62 hectares, e não 75, como quer fazer crer o embargante. Considerando que a medição do imóvel apontou a medida de 59,1326 hectares, a diferença é desprezível, inferior a 1/20 (um vigésimo) da área total enunciada. Aplica-se, portanto, a hipótese do art. 500, §1º, CC, presumindo-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa. 3. Trata-se do que a doutrina e jurisprudência denominam de "venda ad corpus". Não basta mera alegação em contrário, sendo necessário aportar aos autos elementos concretos a demonstrar que, de fato, o adquirente não efetivaria a compra acaso soubesse que as dimensões eram outras. No caso dos autos, tudo indica que, relevante era a propriedade em si, com suas atuais e ostensivas configurações, mas não suas medidas exatas. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70030091474, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 30/08/2011) Grifei.

 

Ante o exposto, nego provimento ao apelo, mantendo a improcedência do feito.

 

 

Des.ª Liége Puricelli Pires (REVISORA) - De acordo com o(a) Relator(a).

Des.ª Elaine Harzheim Macedo (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

 

DES.ª ELAINE HARZHEIM MACEDO - Presidente - Apelação Cível nº 70037412426, Comarca de Esteio: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."

 

 

Julgador(a) de 1º Grau: SERGIO FERNANDO TWEEDIE SPADONI