APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. REVEILLON. HOSPEDAGEM EM HOTEL. PRINCíPIO DE INCêNDIO. PRONTO ATENDIMENTO. ENCAMINHAMENTO PARA HOSPITAL. MEDIDAS AO ALCANÇE da prestadora de serviços. DANOS inexistentes. CASO FORTUITO/FORÇA MAIOR. AUSENCIA DO DEVER INDENIZATÓRIO. SENTENÇA MANTIDA.
I. A Doutrina moderna evoluiu para firmar entendimento acerca da responsabilidade civil do ofensor em relação ao ofendido, haja vista desgaste do instituto proveniente de inúmeras demandas judiciais. Nessa esteira, calcou-se compreensão da necessidade da presença dos elementos: ato ilícito, dano e nexo causal. Por conseguinte, os referidos elementos devem representar ofensa aos chamados direitos de personalidade, como à imagem e à honra, de modo a desestabilizar psicologicamente o ofendido.
II. No caso de ocorrer princípio de incêndio em local de uso público, como hotéis, restaurantes ou shopping, a responsabilização do estabelecimento comercial será demonstrada através de provas afirmando omissão na prestação do serviço ao cliente, expondo o consumidor a risco desnecessário ou evitável.
III. Todavia, havendo provas de revisão periódica nos aparelhos de ar condicionado do hotel abalado por princípio de incêndio, o curto circuito responsável pelo sinistro representa caso fortuito excludente de ilicitude, haja vista comprovada adoção das cabíveis à segurança dos hóspedes.
IV. Restando demonstras medidas cabíveis e esperadas pelo prestador de serviços, bem como ausentes provas do referido abalo psíquico proveniente do infortúnio, não há se falar em indenização por dano moral.
V. À autora da ação incumbe demonstrar fatos constitutivos de direito, ônus do qual não se desincumbiu, nos moldes do art. 333, I, do CPC.
APELO DESPROVIDO
Apelação Cível
| Sexta Câmara Cível |
Nº 70031428931
| Comarca de Porto Alegre |
RICARDA DE LOURDES JARDIM DO CARMO
| APELANTE |
DE ROSE HOTEIS E TURISMO LTDA
| APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Luís Augusto Coelho Braga (Presidente) e Des. Ney Wiedemann Neto.
Porto Alegre, 06 de maio de 2010.
DESA. LIÉGE PURICELLI PIRES,
Relatora.
RELATÓRIO
Desa. Liége Puricelli Pires (RELATORA)
Para o fim de evitar desnecessária tautologia, passo a adotar o relatório da sentença das fls. 197/199.
RICARDA DE LOURDES JARDIM DO CARMO ingressou com ação de indenização, por dano moral, contra DE ROSE HOTÉIS E TURISMO LTDA, ambos qualificados na inicial, contando que no dia 30 de dezembro de 2004 se hospedou no hotel demandado, juntamente com uma amiga, e que, durante a madrugada, o ar condicionado pegou fogo ocasionando intoxicação pela fumaça decorrente.
Diz que precisou ser medicada no hospital sofrendo danos físicos e moral pelo ocorrido. Revela dificuldade na obtenção de outro quarto. Se insurge quanto à obrigatoriedade de pagar a hospedagem.
Postula indenização por dano moral.
Apresenta documentos.
Citado, o demandado contesta o feito.
Diz que a autora se hospedou em seu estabelecimento, no período de 30 de dezembro de 2004 a 03 de janeiro de 2005, confirmando o fato narrado na inicial. Diz que o atendimento às hóspedes foi imediato, assim como a destinação de outro quarto no retorno do hospital.
Entende que o fato se caracteriza como aborrecimento natural não cabendo o pedido de indenização postulado.
Requer a improcedência de pretensão.
Houve réplica.
Provocadas as partes quanto às provas a produzir foi postulada pela autora a produção de prova documental. Pelo demandado a pretensão foi produzir provas em audiência.
Acostados diversos documentos, às fls. 170, 171 e 181/5 foram juntados os termos de estenotipia.
Decorrido o prazo de impugnação vieram aos autos os memoriais finais apresentados somente pelo demandado.
Acrescento sobreveio sentença julgando improcedente pedido deduzido na exordial, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono da ré, arbitrados em R$ 700,00.
Irresignada com o decisum, a autora apelou (fls. 201/216). Defendeu a reforma da sentença por encontrar-se em descompasso com o caso apresentado. Afirmou ser surpreendida com princípio de incêndio no quarto em que estava hospedada, destacando sofrimento pós-traumático advindo do fato ocorrido, salientando laudo psiquiátrico lavrado após o incêndio. Prequestionou artigos constitucionais e requereu a condenação da ré a título de danos morais.
Contrarrazões pela ré às fls. 219/223.
Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.
VOTOS
Desa. Liége Puricelli Pires (RELATORA)
Conheço do recurso, pois preenchidos pressupostos de admissibilidade.
Trata-se de ação indenizatória visando à reparação moral advinda de princípio de incêndio em quarto de hotel.
Adianto meu voto pelo desprovimento do apelo, mantendo entendimento a quo.
A autora hospedou-se no hotel De Rose (Torres/RS), para desfrutar a passagem de ano 2004/2005. Entretanto, foi surpreendida com princípio de incêndio em seu quarto, sendo socorrida e encaminhada para atendimento médico. Destaca sofrimento e uso de medicação após o trauma, requerendo indenização pelo abalo moral suportado.
Primeiramente, destaca-se ser incontroverso o princípio de incêndio no quarto da demandante. Todavia, presente caso fortuito advindo da imprevisibilidade do fato, sendo tomadas medidas cabíveis e esperadas pela prestadora de serviços.
O princípio de incêndio foi ocasionado por um curto circuito junto ao aparelho de ar condicionado, o qual se encontrava revisado e em boas condições de uso, segundo destacado pelo magistrado a quo.
Não restou demonstrado fosse o equipamento que incendiou ultrapassado ou em condições indevidas de uso. Ao contrário, ficou demonstrado que a manutenção era preocupação constante no hotel.
A ré comprovou medidas assecuratórias com os clientes, realizando manutenções periódicas antes do início do veraneio, bem como atendeu prontamente a hospede ao primeiro sinal de anormalidade, evitando qualquer prejuízo de ordem material à demandante.
Não obstante, o laudo psiquiátrico aponta transtornos suportados pela apelante após o susto. Entretanto, ao observar a data de avaliação, nota-se lavratura em curto espaço de tempo após o fato (menos de uma semana).
Por óbvio que sentimentos de angustia, medo, insônia poderiam estar presentes, porquanto passados apenas cinco dias do infortúnio. Não há como afirmar a prolação da instabilidade emocional além deste marco, bem como ausente parecer indicando problemas advindos da inalação da fumaça expelida pelo aparelho.
Ademais, a documentação acostada demonstra uso intenso de medicação por parte da propositora da ação, tanto antes do fato (fls. 28, 33, 35, 37, 38 e 39 – 2004), quanto após o ocorrido (fl. 20/21 – 06.01.2005), conforme frisado na sentença.
Cumpre observar que, em que pese tenha alegado a autora o surgimento de quadro de ansiedade, tensão muscular e medo intenso, necessitando de tratamento específico, entendo que os problemas de saúde não devem ser atribuído unicamente ao episódio. Ocorre que à fl. 35, resta acostado um receituário com prescrição do medicamento Denil, conhecido antidepressivo. A autora, anteriormente ao fato, já possuía os sintomas acima descritos, considerando que o documento foi produzido em 15 de setembro de 2004, três meses antes da ocorrência. Logo anterior ao episódio.
Assim não há como relacionar o problema de saúde com o aborrecimento sofrido.
Não há como afirmar danos a ponto de afetar a estabilidade emocional da apelante advindos do evento ocorrido no hotel. A autora acabou por alocada em outro quarto, permanecendo por mais alguns dias no litoral, desfrutando das belezas naturais da praia, sem haver nenhum sinal de abalo psíquico relacionado com o susto levado.
Sérgio Cavalieri Filho[1] destaca casos excludentes do dever reparatório.
“só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.”
À autora incumbia demonstrar fatos constitutivos de direito, ônus do qual não se desincumbiu, nos moldes do art. 333, I, do CPC.
Restando ausente ato ilícito capaz de responsabilizar o hotel pelo acidente e prolação de sentimento a ponto de romper com a estabilidade emocional da proponente da ação, não há se falar em indenização por dano moral.
DISPOSITIVO
Pelo exposto, nego provimento ao apelo, mantendo hígido entendimento proferido em primeira instância.
É o voto.
Des. Ney Wiedemann Neto (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Luís Augusto Coelho Braga (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA - Presidente - Apelação Cível nº 70031428931, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO."
Julgador(a) de 1º Grau: DRA ROSAURA MARQUES BORBA