quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Responsabilidade civil: não caracterização dos danos morais em razão de manutenção periódica dos equipamentos

APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. REVEILLON. HOSPEDAGEM EM HOTEL. PRINCíPIO DE INCêNDIO. PRONTO ATENDIMENTO. ENCAMINHAMENTO PARA HOSPITAL. MEDIDAS AO ALCANÇE da prestadora de serviços. DANOS inexistentes. CASO FORTUITO/FORÇA MAIOR. AUSENCIA DO DEVER INDENIZATÓRIO. SENTENÇA MANTIDA.

I. A Doutrina moderna evoluiu para firmar entendimento acerca da responsabilidade civil do ofensor em relação ao ofendido, haja vista desgaste do instituto proveniente de inúmeras demandas judiciais. Nessa esteira, calcou-se compreensão da necessidade da presença dos elementos: ato ilícito, dano e nexo causal. Por conseguinte, os referidos elementos devem representar ofensa aos chamados direitos de personalidade, como à imagem e à honra, de modo a desestabilizar psicologicamente o ofendido.

II. No caso de ocorrer princípio de incêndio em local de uso público, como hotéis, restaurantes ou shopping, a responsabilização do estabelecimento comercial será demonstrada através de provas afirmando omissão na prestação do serviço ao cliente, expondo o consumidor a risco desnecessário ou evitável.

III. Todavia, havendo provas de revisão periódica nos aparelhos de ar condicionado do hotel abalado por princípio de incêndio, o curto circuito responsável pelo sinistro representa caso fortuito excludente de ilicitude, haja vista comprovada adoção das cabíveis à segurança dos hóspedes.

IV. Restando demonstras medidas cabíveis e esperadas pelo prestador de serviços, bem como ausentes provas do referido abalo psíquico proveniente do infortúnio, não há se falar em indenização por dano moral.

V. À autora da ação incumbe demonstrar fatos constitutivos de direito, ônus do qual não se desincumbiu, nos moldes do art. 333, I, do CPC.

APELO DESPROVIDO

 

Apelação Cível

 

Sexta Câmara Cível

Nº 70031428931

 

Comarca de Porto Alegre

RICARDA DE LOURDES JARDIM DO CARMO

 

APELANTE

DE ROSE HOTEIS E TURISMO LTDA

 

APELADO

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Luís Augusto Coelho Braga (Presidente) e Des. Ney Wiedemann Neto.

Porto Alegre, 06 de maio de 2010.

DESA. LIÉGE PURICELLI PIRES,

Relatora.

 

RELATÓRIO

Desa. Liége Puricelli Pires (RELATORA)

Para o fim de evitar desnecessária tautologia, passo a adotar o relatório da sentença das fls. 197/199.

RICARDA DE LOURDES JARDIM DO CARMO ingressou com ação de indenização, por dano moral, contra DE ROSE HOTÉIS E TURISMO LTDA, ambos qualificados na inicial, contando que no dia 30 de dezembro de 2004 se hospedou no hotel demandado, juntamente com uma amiga, e que, durante a madrugada, o ar condicionado pegou fogo ocasionando intoxicação pela fumaça decorrente.

Diz que precisou ser medicada no hospital sofrendo danos físicos e moral pelo ocorrido. Revela dificuldade na obtenção de outro quarto. Se insurge quanto à obrigatoriedade de pagar a hospedagem.

Postula indenização por dano moral.

Apresenta documentos.

Citado, o demandado contesta o feito.

Diz que a autora se hospedou em seu estabelecimento, no período de 30 de dezembro de 2004 a 03 de janeiro de 2005, confirmando o fato narrado na inicial. Diz que o atendimento às hóspedes foi imediato, assim como a destinação de outro quarto no retorno do hospital.

Entende que o fato se caracteriza como aborrecimento natural não cabendo o pedido de indenização postulado.

Requer a improcedência de pretensão.

Houve réplica.

Provocadas as partes quanto às provas a produzir foi postulada pela autora a produção de prova documental. Pelo demandado a pretensão foi produzir provas em audiência.

Acostados diversos documentos, às fls. 170, 171 e 181/5 foram juntados os termos de estenotipia.

Decorrido o prazo de impugnação vieram aos autos os memoriais finais apresentados somente pelo demandado.

 

Acrescento sobreveio sentença julgando improcedente pedido deduzido na exordial, condenando a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono da ré, arbitrados em R$ 700,00.

Irresignada com o decisum, a autora apelou (fls. 201/216). Defendeu a reforma da sentença por encontrar-se em descompasso com o caso apresentado. Afirmou ser surpreendida com princípio de incêndio no quarto em que estava hospedada, destacando sofrimento pós-traumático advindo do fato ocorrido, salientando laudo psiquiátrico lavrado após o incêndio. Prequestionou artigos constitucionais e requereu a condenação da ré a título de danos morais.

Contrarrazões pela ré às fls. 219/223.

Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552 do CPC, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTOS

Desa. Liége Puricelli Pires (RELATORA)

Conheço do recurso, pois preenchidos pressupostos de admissibilidade.

Trata-se de ação indenizatória visando à reparação moral advinda de princípio de incêndio em quarto de hotel.

Adianto meu voto pelo desprovimento do apelo, mantendo entendimento a quo.

A autora hospedou-se no hotel De Rose (Torres/RS), para desfrutar a passagem de ano 2004/2005. Entretanto, foi surpreendida com princípio de incêndio em seu quarto, sendo socorrida e encaminhada para atendimento médico. Destaca sofrimento e uso de medicação após o trauma, requerendo indenização pelo abalo moral suportado.

Primeiramente, destaca-se ser incontroverso o princípio de incêndio no quarto da demandante. Todavia, presente caso fortuito advindo da imprevisibilidade do fato, sendo tomadas medidas cabíveis e esperadas pela prestadora de serviços.

O princípio de incêndio foi ocasionado por um curto circuito junto ao aparelho de ar condicionado, o qual se encontrava revisado e em boas condições de uso, segundo destacado pelo magistrado a quo.

Não restou demonstrado fosse o equipamento que incendiou ultrapassado ou em condições indevidas de uso. Ao contrário, ficou demonstrado que a manutenção era preocupação constante no hotel.

 

                        A ré comprovou medidas assecuratórias com os clientes, realizando manutenções periódicas antes do início do veraneio, bem como atendeu prontamente a hospede ao primeiro sinal de anormalidade, evitando qualquer prejuízo de ordem material à demandante. 

Não obstante, o laudo psiquiátrico aponta transtornos suportados pela apelante após o susto. Entretanto, ao observar a data de avaliação, nota-se lavratura em curto espaço de tempo após o fato (menos de uma semana).

Por óbvio que sentimentos de angustia, medo, insônia poderiam estar presentes, porquanto passados apenas cinco dias do infortúnio. Não há como afirmar a prolação da instabilidade emocional além deste marco, bem como ausente parecer indicando problemas advindos da inalação da fumaça expelida pelo aparelho.

Ademais, a documentação acostada demonstra uso intenso de medicação por parte da propositora da ação, tanto antes do fato (fls. 28, 33, 35, 37, 38 e 39 – 2004), quanto após o ocorrido (fl. 20/21 – 06.01.2005), conforme frisado na sentença.

Cumpre observar que, em que pese tenha alegado a autora o surgimento de quadro de ansiedade, tensão muscular e medo intenso, necessitando de tratamento específico, entendo que os problemas de saúde não devem ser atribuído unicamente ao episódio. Ocorre que à fl. 35, resta acostado um receituário com prescrição do medicamento Denil, conhecido antidepressivo. A autora, anteriormente ao fato, já possuía os sintomas acima descritos, considerando que o documento foi produzido em 15 de setembro de 2004, três meses antes da ocorrência. Logo anterior ao episódio.

Assim não há como relacionar o problema de saúde com o aborrecimento sofrido.

 

 Não há como afirmar danos a ponto de afetar a estabilidade emocional da apelante advindos do evento ocorrido no hotel. A autora acabou por alocada em outro quarto, permanecendo por mais alguns dias no litoral, desfrutando das belezas naturais da praia, sem haver nenhum sinal de abalo psíquico relacionado com o susto levado.

Sérgio Cavalieri Filho[1] destaca casos excludentes do dever reparatório.

“só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.”

 

À autora incumbia demonstrar fatos constitutivos de direito, ônus do qual não se desincumbiu, nos moldes do art. 333, I, do CPC.

Restando ausente ato ilícito capaz de responsabilizar o hotel pelo acidente e prolação de sentimento a ponto de romper com a estabilidade emocional da proponente da ação, não há se falar em indenização por dano moral.

DISPOSITIVO

Pelo exposto, nego provimento ao apelo, mantendo hígido entendimento proferido em primeira instância.

É o voto.

 

Des. Ney Wiedemann Neto (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

Des. Luís Augusto Coelho Braga (PRESIDENTE) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA - Presidente - Apelação Cível nº 70031428931, Comarca de Porto Alegre: "À UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO."

 

 

Julgador(a) de 1º Grau: DRA ROSAURA MARQUES BORBA



[1] Sergio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, pág. 99