sexta-feira, 5 de março de 2010

Sentença - Indenização por furto de bens pessoais colocados em armário de universidade

 

JUIZADO ESPECIALCÍVEL DE IGREJINHA –RS

PEDIDO: 142/3.08.0001199-7

AÇÃO: REPARAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS

AUTORA: CASSIA ROBERTA SCHMITT

RÉU: CENTRO UNIVERSITÁRIO FEEVALE

JUÍZA LEIGA: CAROLINA SELBACH

A autora busca através da presente ação o ressarcimento por danos patrimoniais que sofreu, pois teve objetos de sua propriedade furtados em armário da Universidade requerida. Aduz que fez as comunicações legais e solicitou o ressarcimento dos valores correspondentes aos objetos furtados, sem que obtivesse qualquer resposta até o presente momento. Requer, assim, indenização por danos materiais e morais em razão da conduta da requerida.

A requerida, em sua contestação, alega que a autora foi omissa em seu relato, não tendo mencionado a ausência de uso de cadeado, assim como não comprovou a propriedade dos objetos furtados através de nota fiscal ou documento idôneo e que os mesmos eram material estudantil e não de uso pessoal. Aduz, ainda, que a ocorrência policial trata-se de declaração unilateral e não se presta a provar os fatos alegados pela autora. Por fim, assevera a inexistência de dano moral indenizável. Requereu, ao final, a improcedência da demanda.

É o breve relato.

Analisando os presentes autos, verificamos que estamos diante de uma relação de consumo, posto que a autora é aluna da instituição de ensino requerida, sendo paga pelos serviços que presta à autora.

Dessa forma, deverão ser aplicadas as disposições do Código de Defesa do Consumidor ao caso.

Outrossim, diante da análise da documentação e demais provas produzidas nos presentes autos, entendo que as alegações da autora são verossímeis e diante da sua hipossuficiência perante a requerida, impõe-se, a teor do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, a inversão do ônus da prova.

A existência do furto alegado na inicial restou devidamente comprovada pela ocorrência policial de folha 15, bem como pelo depoimento pessoal das partes e testemunhas (folhas 37-40) e, também, pelo documento de folha 47, juntado pela própria requerida.

Dessa forma, inexistindo dúvidas da existência do furto no interior da instituição requerida, em armário que disponibilizava a seus alunos, não há como isenta-la do dever de reparar os danos sofridos pela autora, nos termos do artigo 186 c/c 927 do Código Civil brasileiro, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Isso porque, a conduta da requerida caracteriza a culpa in vigilando, ou seja, na guarda dos objetos de seus alunos, em locais os quais disponibilizou aos mesmos, ainda mais quando guardados por vigilantes contratados por empresa terceirizada e que presta serviços à requerida.

Nessa mesma linha de pensamento, transcrevo trecho do voto do desembargador João Pedro Cavalli Júnior ao julgar recurso inominado nº 71000817791, em 08 de junho de 2006:

O estacionamento existente no local é destinado aos estudantes, professores, funcionários e usuários da universidade, que ali deixam seus automóveis. Este local é protegido por sistema de vigilância, onde se verifica a existência de iluminação e proteção através de guardas. Tal sistema de segurança é comprovado pelo depoimento da testemunha Lauro Adalberto Batista Job (fl. 64), que afirma que: “... os vigilantes sempre circulam entre os automóveis, exceto em dias de chuva...” .

O nexo causal mostra-se evidente, entre a conduta da requerida e o fato danoso, uma vez que o dano ocorreu em conseqüência de falha da segurança.

Com efeito, tem-se caracterizada a culpa in vigilando da demandada, pois essa faltou com o dever de zelar pelo veículo da demandante, ainda que gratuito o estacionamento, quando tinha a obrigação de observar a guarda do veículo.

No momento em que a ré destinou local para que estudantes, professores, funcionários e usuários da universidade possam deixar seus veículos, acompanhada de um sistema de vigilância constante, como no presente caso, produz-se na mente das pessoas uma idéia clara de segurança e conforto para o desempenho tranqüilo das atividades universitárias, o que facilita a captação de interessados nestas.

(...)

Assim, tenho por demonstrada a responsabilidade da requerida, devendo ser condenada ao pagamento da indenização.

Igualmente, nesse sentido:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. UNIVERSIDADE. FURTO DE OBJETOS DE ARMÁRIO DISPONIBILIZADO A ALUNO. ÁREA SOB RESPONSABILIDADE DE INSTITUIÇÃO DE ENSINO. COMPROVAÇÃO DE QUE O DANO FOI PERPETRADO NOS TERMOS ADUZIDOS NA INICIAL. RELAÇÃO CONTRATUAL DE FATO. CULPA “IN VIGILANDO”. DEVER DE INDENIZAR O PREJUÍZO OCASIONADO. INDENIZAÇÃO ARBITRADA INSUFICIENTE. QUANTIA DEVIDA PARA RESSARCIR INTEGRALMENTE OS DANOS SUPORTADOS. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO.RECURSO DA AUTORA PROVIDO E RECURSO DA RÉ IMPROVIDO[1].

Outrossim, em que pese a alegação da requerida, de que para que se pudesse deferir o pedido da autora os objetos furtados deveriam se tratar de material de aula, entendo que não existe esta necessidade.

Isso porque, conforme restou comprovado pelo depoimento das partes e das testemunhas, para que a autora adentrasse na aula, não poderia estar portando objetos pessoais.

Diante dessa proibição é claro que o armário destinado aos alunos não conteria apenas objetos, material escolar ou destinado às aulas. Evidente que nos armários seriam depositados objetos pessoais, tais como carteira, celular, dentre outros.

Assim, entendo que tem sim a autora direito à restituição do valor dos objetos que teve furtado no interior do armário da universidade, ainda que estes sejam de uso pessoal.

Por outro lado, para que possa haver a correta indenização, cabia à autora trazer orçamentos dos valores dos bens que teve furtados.

Dessa forma, tendo a autora somente trazido orçamentos no que se refere a máquina fotográfica e ao celular, somente os valores referentes aos mesmos poderão ser objetos de ressarcimento, assim como o valor em dinheiro furtado.

Isso porque, em que pese a alegação do furto, também, de um casaco, a autora não trouxe qualquer elemento capaz de comprovar o valor econômico do mesmo, o que impossibilita um decreto de ressarcimento.

Com relação aos valores do celular e da máquina fotográfica, levando-se em consideração que a autora não especificou o modelo dos mesmos, entendo que deve ser deferido no menor valor orçado, qual seja, R$299,00 (duzentos e noventa e nove reais) para o aparelho celular Nokia e R$699,00 (seiscentos e noventa e nove reais) para a máquina digital.

Assim, somando-se o valor do celular, da máquina e do dinheiro furtado, cabe à requerida ressarcir R$1.398,00 (um mil, trezentos e noventa e oito reais) à autora.

Com relação aos danos morais, entendo que restou devidamente comprovado o abalo sofrido pela autora, na medida em que mesmo depois de meses de espera, nenhuma solução ou atitude efetiva foi tomada pela instituição requerida para solucionar o seu caso, ou prestar-lhe de forma satisfatória os devidos esclarecimentos pelo ocorrido.

Em que pese a jurisprudência colacionada pela demandada em sua contestação, ao discorrer sobre o dano moral, veja-se que trata de situação diferenciada da autora.

Aqui, o dano moral advém não somente da perda dos bens da autora, mas da desídia da requerida na busca da apuração e recuperação dos bens furtados, salientando-se que o fato ainda não foi resolvido mesmo depois de seis meses.

Tal fato faz crer que na verdade o ocorrido com a autora tenha “caído no esquecimento”, sem que qualquer providencia fosse tomada, além das inicialmente realizadas.

Assim, em que pesem as alegações trazidas pela requerida em sua contestação, não há como isentá-la da prática de ato ilícito no momento em que agiu de forma omissiva, o que veio a causar dano, prejuízo à autora gerando, nos termos da legislação civil, a obrigação de indenizá-la, repará-la, conforme prevê o artigo 927 do Código Civil.

Com relação ao quantum indenizatório, segundo o entendimento doutrinário e jurisprudencial, compete ao Juiz graduar a intensidade do sofrimento causado, o que se diga, não é tarefa fácil, impondo-se a observação de limites razoáveis, não se justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento ilícito em detrimento da outra parte.

A indenização por danos morais tem duas finalidades distintas: uma punitiva, que visa castigar o causador do dano, pela ofensa que praticou; outra, compensatória, que proporcionará à vítima algum bem em contrapartida ao mal sofrido.

Levando-se me consideração os fatos e ponderações quando da análise da lide, entendo razoável e suficiente para a reparação pretendida a fixação da indenização por danos morais no valor de R$3.000,00 (três mil reais).

Em face do exposto, opino pela PARCIAL PROCEDÊNCIA dos pedidos da autora para:

1 – CONDENAR a requerida ao ressarcimento do valor de R$1.398,00 (um mil, trezentos e noventa e oito reais), corrigido pelo IGPM a partir do furto (13/08/2008), acrescido de juros legais de 1% ao mês desde a citação;

2 - CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$3.000,00 (três mil reais), acrescidos de juros legais de 1% ao mês e correção monetária segundo o IGP-M a contar da sentença.

A requerida fica advertida que com o trânsito em julgado, caso não cumpra espontaneamente com a sentença no prazo de 15 dias, incidirá multa de 10% sobre o montante da condenação, nos termos do artigo 475-J, caput, do Código de Processo Civil.

Custas e honorários inexistentes nesta fase.

Igrejinha, 02 de março de 2009.

CAROLINA SELBACH

Juíza Leiga


[1] Recurso Inominado nº 71000648238, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais do RS, Relatora: Maria José SchmittSant’anna, julgado em 02/08/2005.

 

Nota do Blogeuiro: veja a decisão do recurso aqui.

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