terça-feira, 9 de março de 2010

STJ. Seguro. Furto ou roubo do veículo em estacionamento. Direito de regresso da seguradora do proprietário do veículo

 

RECURSO ESPECIAL Nº 976.531 - SP (2007⁄0188741-5)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : MITSUI MARINE E KYOEI FIRE SEGUROS S⁄A

ADVOGADO : MARCIA APARECIDA DA SILVA ANNUNCIATO E OUTRO(S)

RECORRIDO : REAL SEGUROS S⁄A

ADVOGADOS : EDIMILSON DOS SANTOS e KAREN APARECIDA DE ASSIS

INTERES. : ANTÔNIO JOSÉ SOARES SIQUEIRA ALMEIDA

EMENTA

DIREITO CIVIL. SEGURO. FURTO OU ROUBO DE VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO. CASO FORTUITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. EVENTO PREVISÍVEL. DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA DO PROPRIETÁRIO DO VEÍCULO. SÚMULA 288⁄STF. INCIDÊNCIA.

- Não há como considerar o furto ou roubo de veículo causa excludente da responsabilidade das empresas que exploram o estacionamento de automóveis, na medida em que a obrigação de garantir a integridade do bem é inerente à própria atividade por elas desenvolvida. Hodiernamente, o furto e o roubo de veículos constituem episódios corriqueiros, sendo este, inclusive, um dos principais fatores a motivar a utilização dos estacionamentos, tornando inconcebível que uma empresa que se proponha a depositar automóveis em segurança enquadre tais modalidades criminosas como caso fortuito.

- Fixada a premissa de que o furto e o roubo de veículos são eventos absolutamente previsíveis no exercício da atividade garagista, conclui-se que, na linha de desdobramento dos fatos que redundam na subtração do carro, encontra-se a prestação deficiente do serviço pelo estacionamento, que, no mínimo, não agiu com a diligência necessária para impedir a atuação criminosa. Nesse contexto, na perspectiva da seguradora sub-rogada nos direitos do segurado nos termos do art. 988 do CC⁄16 – cuja redação foi integralmente mantida pelo art. 349 do CC⁄02 – o estacionamento deve ser visto como causador, ainda que indireto, do dano, inclusive para efeitos de interpretação da Súmula 288⁄STF.

- Os arts. 988 do CC⁄16 e 349 do CC⁄02 não agasalham restrição alguma ao direito da seguradora, sub-rogada, a ingressar com ação de regresso contra o estabelecimento garagista.

Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministr Relatora.Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Sidnei Beneti, Vasco Della Giustina e Paulo Furtado votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 23 de fevereiro de 2010(data do julgamento)

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por MITSUI MARINE E KYOEI FIRE SEGUROS S.A., com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, contra acórdão proferido pelo TJ⁄SP.

Ação: de indenização por danos materiais, ajuizada pela recorrente em desfavor de ANTÔNIO JOSÉ SOARES SIQUEIRA ALMEIDA, alegando estar no exercício de direito de regresso. Afirma ter celebrado contrato de seguro de automóvel com Marsha Lisa Schlittler Ventura, tendo o bem segurado sido roubado em estacionamento de propriedade do recorrido. Diante disso, uma vez paga a indenização securitária, a recorrente aduz ter direito de ser ressarcida pelo recorrido, por ser ele o causador do dano.

Em sede de contestação, o recorrente denunciou à lide a REAL PREVIDÊNCIA E SEGUROS S.A., com quem celebrou contrato de seguro com cobertura de responsabilidade civil garagista (fls. 50).

Sentença: julgou procedente o pedido contido na petição inicial, para condenar o recorrido “a pagar ao autor o valor de R$42.570,00, corrigido o montante – juros legais e correção monetária – a partir do desembolso e até quando do efetivo pagamento” e julgou improcedente a denunciação da lide, tendo em vista a existência de “condições não vinculadas no ajuste” e “o agravamento do risco pelo réu” (fls. 177⁄178).

Acórdão: o TJ⁄SP deu provimento ao apelo do recorrido, nos termos do acórdão (fls. 211⁄214) assim ementado:

SEGURADORA. ROUBO DE VEÍCULO NO INTERIOR DE ESTACIONAMENTO. AÇÃO REGRESSIVA. IMPROCEDÊNCIA FACE AO RECONHECIMENTO DE CASO FORTUITO – Há diversidade de relações jurídicas entre o consumidor do serviço de estacionamento de veículo e a fornecedora, e a existente entre a seguradora do consumidor e o estacionamento de forma que o roubo do veículo no interior do estacionamento encerra caso fortuito que determina a não incidência da responsabilidade civil – Recurso provido”.

Embargos de declaração: interpostos pela recorrente (fls. 220⁄226), foram rejeitados pelo TJ⁄SP (fls. 230⁄231).

Recurso especial: aponta ofensa aos arts. 458, III e 535, II, do CPC e 159 e 988 do CC⁄16, bem como dissídio jurisprudencial (fls. 234⁄255).

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ⁄SP admitiu o recurso especial (fls. 311⁄312).

É o relato do necessário.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a lide a determinar a existência de direito de regresso de seguradora frente a estacionamento, nas hipóteses em que aquela indeniza o segurado por conta de roubo de veículo ocorrido dentro do estabelecimento garagista.

I. Da negativa de prestação jurisdicional (violação aos arts. 458, III e 535, II, do CPC)

Da leitura do acórdão recorrido, constata-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes. O TJ⁄SP pronunciou-se de maneira a abordar a discussão de todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão enfrentados adiante.

O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica obscuridade, contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a questão posta a seu exame nos termos pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do CPC.

Ademais, no que tange especificamente às leis municipais que obrigavam estacionamentos de São Paulo a contratar seguro contra furto e roubo, vale acrescentar que o STF, no julgamento do RE 313.060⁄SP, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 24.02.2006, considerou tais normas inconstitucionais, consignando ter havido usurpação da “competência para legislar sobre seguros, que é privativa União, como dispõe o art. 22, VII, da Constituição Federal”.

Outrossim, é pacífico o entendimento no STJ de que os embargos declaratórios, mesmo quando manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada não ostentar qualquer dos vícios que autorizariam a sua interposição. Confira-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: AgRg no Ag 680.045⁄MG, 5ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 03.10.2005; EDcl no AgRg no REsp 647.747⁄RS, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 09.05.2005; EDcl no MS 11.038⁄DF, 1ª Seção, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ de 12.02.2007.

Constata-se, em verdade, a irresignação da recorrente e a tentativa de emprestar efeitos infringentes aos embargos, o que se mostra inviável no contexto deste recurso, afigurando-se correta a sua rejeição, posto inexistir vício a ser sanado e, por conseguinte, ausência de ofensa ao art. 535 do CPC.

II. Da sub-rogação da seguradora nos direitos do segurado frente ao estacionamento (violação aos arts. 159 e 988 do CC⁄16)

De acordo com o acórdão recorrido, “na relação entre a seguradora (da consumidora) e o fornecedor (administrador do estacionamento) temos que o risco deve ser suportado pela seguradora por ser ínsito a seu programa contratual a assunção específica do risco de roubo”, acrescentando que “nessa linha, o roubo configura-se como caso fortuito e exclui a responsabilidade do estacionamento perante a seguradora” (fls. 213⁄214).

O entendimento do TJ⁄SP teve por base o julgamento do REsp 327.493⁄SP, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ de 24.02.2003, que, interpretando a Súmula 188⁄STF, decidiu que, “no roubo de veículo estacionado, a empresa que explora o estacionamento não é a causadora do roubo praticado por meliantes, e contra ela a seguradora não tem ação regressiva”.

Ao lado desse julgado, porém, encontramos diversos outros, da própria 4ª Turma, admitindo a ação regressiva da seguradora, consignando ser o estacionamento de veículos “responsável pela eficiente guarda e conservação dos mesmos, devendo, por isso, empreender todos os esforços necessários a tanto, dotando o local de sistema de vigilância adequado ao mister que se propõe a realizar, desservindo, como excludente, a título de força maior, haver sofrido roubo, fato absolutamente previsível em atividade dessa natureza, mormente dado o elevado valor dos bens que lhe são confiados, altamente visados por marginais, por servirem, inclusive, como instrumento à prática de outros crimes” (REsp 303.776⁄SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 25.06.2001. No mesmo sentido: REsp 131.662⁄SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ de 16.10.2000; e REsp 31.154⁄SP, Rel. Min. Fontes de Alencar, DJ de 31.05.1993).

Com efeito, não há como considerar o furto ou roubo de veículo causa excludente da responsabilidade das empresas que exploram o estacionamento de automóveis, na medida em que a obrigação de garantir a integridade do bem é inerente à própria atividade por elas desenvolvida.

Acrescente-se que, hodiernamente, o furto e o roubo de veículos constituem episódios corriqueiros, sendo este, inclusive, um dos principais fatores a motivar a utilização dos estacionamentos, tornando inconcebível que uma empresa que se proponha a depositar automóveis em segurança enquadre tais modalidades criminosas como caso fortuito.

Fixada a premissa de que o furto e o roubo de veículos são eventos absolutamente previsíveis no exercício da atividade garagista, concluiu-se que, na linha de desdobramento dos fatos que redundam na subtração do carro, encontra-se a prestação deficiente do serviço pelo estacionamento, que, no mínimo, não agiu com a diligência necessária para impedir a atuação criminosa.

Nesse contexto, na perspectiva da seguradora sub-rogada nos direitos do segurado nos termos do art. 988 do CC⁄16 – cuja redação foi integralmente mantida pelo art. 349 do CC⁄02 – o estacionamento deve ser visto como causador, ainda que indireto, do dano, inclusive para efeitos de interpretação da Súmula 288⁄STF, segundo a qual “o segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro”. Afinal de contas, não fosse a falha do estacionamento na adoção de medidas capazes de impedir a ocorrência do furto ou do roubo – eventos totalmente previsíveis e ínsitos à atividade garagista – o proprietário do veículo não teria sido desapossado de seu bem e, por conseguinte, a seguradora não se veria obrigada a pagar a indenização.

Ao que parece, o TJ⁄SP confunde os limites do seguro firmado por proprietários de veículos com o seguro contratado pelo próprio estabelecimento garagista, em que, havendo cobertura para furto e roubo, é possível se falar no dever da seguradora de suportar o ônus de tais infortúnios, visto que estaremos diante de risco específico previsto no contrato. Nos seguros automotivos, no entanto, é óbvio que o cálculo do prêmio não leva em consideração o risco decorrente da ineficiência do serviço prestado pelos estacionamentos, de sorte que a seguradora não pode ser impedida de agir regressivamente contra estes.

Aliás, a 3ª Turma também já teve a oportunidade de se debruçar sobre o tema, afirmando que “o art. 988 do Código Civil não agasalha restrição alguma ao direito da seguradora, sub-rogada, a ingressar com ação de regresso contra a empresa que responde pelo estacionamento” (REsp 177.975⁄SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 13.12.1999. No mesmo sentido: REsp 68.609⁄SP, Rel. Min. Cláudio Santos, DJ de 23.10.1995).

Finalmente, apesar do presente recurso especial não dar margem à discussão da denunciação da lide apresentada pelo recorrido, impende destacar que a sentença concluiu ter a perda do bem se dado “em condições não vinculadas no ajuste”, acrescentando, ainda, que “os documentos juntados pela seguradora denunciada informam o agravamento do risco pelo réu” (fls. 178). Tais constatações não foram elididas pelo TJ⁄SP.

Dessa forma, ainda que fosse possível adentrar na análise da denunciação da lide, a reforma da decisão proferida pelas instâncias ordinárias quanto a esse ponto exigiria o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, procedimento que encontra óbice na Súmula 07⁄STJ.

Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para restabelecer a sentença de fls. 177⁄178.

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