segunda-feira, 1 de março de 2010

STJ – Tributário. Isenção de ITR em razão da seca que gerou decreto de calamidade pública

 

RECURSO ESPECIAL Nº 1.150.496 - PB (2009⁄0143212-9)

RELATORA : MINISTRA ELIANA CALMON

RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL

PROCURADOR : PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL

RECORRIDO : TIBÚRCIO ANDREA MAGLIANO

ADVOGADO : DEMÓSTENES PESSOA M DA COSTA

 

EMENTA

TRIBUTÁRIO - IMPOSTO TERRITORIAL RURAL - ART. 10, § 6º, I, DA LEI 9.393⁄96 - RECONHECIMENTO DE ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA - CONCESSÃO DO BENEFÍCIO FISCAL.

1. Discute-se nos autos se o benefício fiscal previsto no art. 10 da Lei 9.393⁄96 pode ser aplicado aos fatos geradores do ITR que se aperfeiçoaram antes de decreto que tornou público estado de calamidade na região do Município de Itabaiana.

2. O ato de decretação de calamidade pública tem efeito meramente declaratório, de maneira que, reconhecida a situação de catástrofe natural em que se encontra a propriedade do recorrido, pode ele se valer do benefício.

3. Recurso especial não provido.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Castro Meira, Humberto Martins (Presidente), Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília-DF, 04 de fevereiro de 2010(Data do Julgamento)

MINISTRA ELIANA CALMON 

Relatora

 

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Trata-se de recurso especial interposto com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região assim ementado (fl. 145):

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO TERRITORIAL RURAL - ITR. DECADÊNCIA. ARTS. 150, § 4º E 173, DO CTN. ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA (SECA). OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 10, § 6º DA LEI 9.393⁄96. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO.

- Nas exações cujo lançamento se faz por homologação, havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial a partir da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN), que é de cinco anos. Inocorrência da decadência prevista no art. 173 do CTN.

- O ato de decretação de calamidade pública tem efeito meramente declaratório, eis que por meio dele é que a Administração, reconhecendo, formal e legalmente, a existência de uma situação de infortúnio público decorrente de fato da natureza, envida esforços para remover, ou minorar, os sérios danos causados à comunidade afetada.

- In casu, o embargante demonstrou, através da prova documental carreada aos autos, que o imóvel encontrava-se localizado em área de ocorrência de calamidade pública, oficialmente reconhecida pelo Poder Público, encontrando-se, assim, albergado, pelo benefício fiscal previsto no art. 10, § 6º, I da Lei nº 9.393⁄96.

- Não obstante esteja o julgador, nos termos do art. 20 § 4º do CPC, autorizado a fixar a verba honorária de acordo com a sua apreciação eqüitativa, não pode essa faculdade implicar aviltamento ao labor advocatício, tão importante quanto a própria atividade jurisdicional. Honorários advocatícios arbitrados em R$ 2.000,00(dois mil reais).

- Apelação da Fazenda Nacional improvida. Apelo do particular provido em parte.

Aponta o recorrente violação dos arts. 10, § 6º, da Lei 9.393⁄96 e 144 do CTN, sustentando que o benefício fiscal previsto no art. 10 somente se aplica para os fatos geradores do ITR que se aperfeiçoarem após o decreto do estado de calamidade pública.

Defende que tal entendimento constitui decorrência lógica do disposto no art. 144 do CTN, segundo o qual o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela legislação então vigente.

Com contra-razões, subiram os autos, admitido o especial na origem.

É o relatório.

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): Antes de fazer considerações sobre as questões versadas nos autos, pertinente transcrever o dispositivo de lei que vem gerando a controvérsia:

Preceitua o art. 10, § 6º, I, da Lei 9.393⁄96:

Art. 10. A apuração e o pagamento do ITR serão efetuados pelo contribuinte, independentemente de prévio procedimento da administração tributária, nos prazos e condições estabelecidos pela Secretaria da Receita Federal, sujeitando-se a homologação posterior.

§ 6º Será considerada como efetivamente utilizada a área dos imóveis rurais que, no ano anterior, estejam:

I - comprovadamente situados em área de ocorrência de calamidade pública decretada pelo Poder Público, de que resulte frustração de safras ou destruição de pastagens;

Com base nesse artigo, entende a Fazenda Nacional que não é possível conferir retroatividade à aplicação do benefício fiscal referido, pois implementado relativamente à propriedade rural depois da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária discutida.

No julgamento de apelação, asseverou o Tribunal de origem ter sido devidamente demonstrado que a região onde estava localizada a propriedade do recorrido, Município de Itabaiana, havia sido assolada por período extenso de forte seca, encontrando-se ela em situação de calamidade pública. Tal situação foi reconhecida pelo Poder Público, com a edição do Decreto 19.631⁄98 e da Portaria 48, de 24.06.98.

Diante desse contexto, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região firmou entendimento de que o ato de decretação de calamidade pública só poderia se dar após a ocorrência do desastre, com efeito meramente declaratório, por meio do qual a Administração reconheceria a existência de um infortúnio decorrente de fato da natureza, envidando esforços para minorar os prejuízos advindos de catástrofes naturais.

Entendo acertado tal posicionamento, pois não se pode abraçar a tese apresentada pela Fazenda Pública, sob pena de se tornar inútil referido dispositivo, que concede o benefício fiscal justamente para atender à delicadeza do contexto em que se encontra o jurisdicionado quando enfrenta tamanho infortúnio.

Fosse acolhida a pretensão da recorrente, apenas as situações que se prolongassem para além do decreto ou que ocorressem após a sua edição poderiam ser objeto do benefício, deixando-se para trás aquelas que, embora sujeitas ao mesmo fenômeno climático, já haviam se consolidado no momento da edição do diploma legal, fato que daria ensejo a grande injustiça.

Nesse sentido é que a instância a quo destacou que, como o reconhecimento do estado de calamidade pública é decorrência do prolongamento no tempo de estiagem que abrange período necessariamente pretérito ao seu reconhecimento formal pelas autoridades públicas, não se poderia afastar a incidência do benefício, pois a seca não se traduz automaticamente em um estado de destruição que abrange grande porção geográfica, como quer fazer crer a recorrente, mas numa continuidade que impede o imóvel rural de se prestar aos fins econômicos a que se destina, legitimando o abrandamento do imposto devido.

No caso dos autos, observa-se que a data do fato gerador do ITR ocorreu em janeiro de 1998, quando os efeitos da seca já eram tão grandes, que deram ensejo à edição do decreto questionado, datado de abril de 1998. Assim, resta claro que esse diploma legislativo veio apenas reconhecer uma situação emergencial já existente à data do fato gerador, de maneira que se faz inteiramente pertinente manter o entendimento do Tribunal de origem, a fim de ser garantida a interpretação da lei que melhor se coaduna com os fins para os quais ela foi editada.

Com essas considerações, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

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